Vila do Conde, uma cidade inspirada na história

Dá gosto passear nesta "cidade de arquiteturas antigas, ao ritmo de um tempo largo". Bafejada pela brisa atlântica e pelo remanso fluvial, Vila do Conde cativa o visitante com inúmeros atrativos. Vera Dantas do blogue Porto Envolto traça o roteiro.

Lembro-me de, ainda menina, chegar a Vila do Conde através da ponte sobre o rio e ficar surpreendida com o contraste entre a magnitude do edifício neoclássico do Mosteiro de Santa Clara e o casario baixo alinhado com um pequeno e bonito jardim. Hoje em dia este contraste ainda perdura e Vila do Conde é sobretudo uma cidade de arquiteturas antigas, nas casas e nos monumentos, deixando muito espaço para o lazer, ao ritmo de um tempo largo.

A cidade, aberta para o rio e para o mar, tem nas suas margens o melhor caminho para lhe conhecer a história, começando pelo jardim da Praça da República. Caminhando para ocidente pela marginal, chega-se a uma das maiores atrações de Vila do Conde: a belíssima Nau Quinhentista. Esta réplica foi concebida com base em investigações científicas e graças ao saber ancestral dos carpinteiros e calafates dos estaleiros vilacondenses, artífices de naus e caravelas. Ao visitar o seu interior, quase tornado vivo com uma série de esculturas humanas em cenas do dia-a-dia da vida a bordo, senti a dimensão da coragem dos nossos antepassados, que navegaram por longos períodos e com grandes dificuldades através de um mundo desconhecido, nestas embarcações tão vulneráveis quanto belas e engenhosas.

A realidade da vida marítima e das trocas comerciais passadas percebe-se melhor com uma visita à Alfândega Régia – Museu de Construção Naval, em frente à nau. Foi lá que, a partir do século XV, laboraram os estaleiros navais vila-condenses, que tanto contribuíram para a aventura dos Descobrimentos.

Mesmo ao lado ergue-se sobre um maciço rochoso um monumento que lembra uma construção mourisca: a Capela de Nossa Senhora do Socorro, com uma planta quadrada encimnda por uma grande abóbada branca. Foi mandada construir no século XVIII por um piloto das carreiras da Índia e Japão, roteirista e responsável pela primeira tabela conhecida da classificação dos ventos. Na antiga zona ribeirinha e na nova marginal, o património convive com espaços de lazer e há uma série de restaurantes e bares onde apetece ficar.

No centro da cidade, a Igreja do Mosteiro de Santa Clara exibe a sua beleza de linhas góticas que nos transporta para o imaginário dos castelos fortificados. Foi mandada erigir pelo filho bastardo do rei D. Dinis, D. Afonso Sanches e sua mulher, D. Tereza de Menezes, cujos túmulos são impressionantes obras manuelinas e podem ser visitados na Capela dos Fundadores. O fabuloso Aqueduto de Vila do Conde, o segundo mais extenso do país, termina junto ao Mosteiro. E não é por acaso: por incrível que possa parecer, esta obra de inícios do século XVIII, formada por 999 arcos e com cerca de 5 km de extensão, foi construída para levar a água da nascente, em Terroso, na Póvoa, até à cisterna e ao chafariz... do antigo Mosteiro de Santa Clara!
Este magnífico templo viria no entanto a perder algum do seu protagonismo quando, em 1777, se construiu o grande edifício neoclássico do Mosteiro de Santa Clara, que continua a dominar com elegância a paisagem da cidade.

Além do mar e dos monumentos cuja história se funde com a de Portugal, a cidade soube honrar a tradição multicentenária das rendas de bilros, uma arte delicadíssima. O Museu das Rendas de Bilros exibe, desde o ano passado, a maior renda de bilros do mundo, atestada como tal pelo Livro do Guiness. Nesta gigante renda multicolor laboraram mais de 200 rendilheiras, algumas das quais estão diariamente no museu a dedilhar os bilros para que possamos ver como as linhas dançam nas suas mãos.

Todas estas maravilhas são parte de Vila do Conde, mas há que aproveitar a chegada de Julho para viver mais uma edição do Curtas de Vila do Conde (de 9 a 17 de Julho), com uma homenagem ao cinema e à sua história. Além das secções destinadas aos panoramas nacional e europeu, o Curtas organiza ainda filmes-concerto tocados ao vivo, em que o cinema é reinterpretado por músicas e bandas.

Os amantes do sol têm em Vila do Conde um destino especial. No Verão as suas praias, ricas em iodo, são uma boa terapia de saúde. Os habitantes desta região na Idade do Ferro já o deviam saber, pois construíram na sua costa marítima o Castro de São Paio, junto à praia com o mesmo nome, onde resistem gravuras rupestres inscritas nos rochedos. Porque esta é uma cidade inspirada na história.

 

A autora e o blogue
Vera Dantas é jornalista e autora do blogue portoenvolto.com.Nascida em Viana do Castelo, encontrou no Porto a beleza citadina e o ritmo de vida certos para criar uma plataforma online que elogia a região única que é o Norte de Portugal. O portoenvolto.com é um espelho da sua visão da vida repleta de música, arte, fotografia, cultura, sabor e... viagens. Trabalhou em jornalismo de imprensa cultural e internacional e foi co-realizadora do programa de rádio “Só Jazz”. Mestre em Relações Internacionais, tem a sua obra "A Dimensão Cultural do Projecto Europeu – da Europa das Culturas aos Pilares de uma Política Cultural Europeia" publicada pelo Instituto Diplomático. Desenvolveu investigação na área das indústrias criativas e da cultura e foi correspondente do Culture Creative News Portal (Berlim).
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Por Vera Dantas | Porto Envolto 2016-06-29

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