Por esta altura a chuva já chegou, abundante, às terras do paul do Boquilobo, na Golegã, junto ao rio Almonda. Por sorte, Marta Ribeiro, do blogue Quimaterapia, fez este passeio com o terreno ainda seco e transitável. Andou por maus caminhos, é certo, mas ela é uma mulher do campo para quem a natureza não tem segredos.
Pedem-me para escrever sobre o Tejo, mas faço um pequeno desvio e vou falar-vos do Almonda. É praticamente a mesma coisa. Se tivermos em consideração que o Almonda desagua no Tejo, podemos dizer que o Almonda é já um pedaço de Tejo. Não vos vou falar da nascente, na serra de Aire, nem da "foz" já bem perto da Golegã. Nem da cidade mais importante que banha nos seus parcos 30 km, Torres Novas. Vou antes sugerir o momento em que o rio entra nos campos agrícolas da lezíria, onde forma uma pequena lagoa que ganhou, em 1980, o estatuto de reserva natural - a Reserva Natural do Paul do Boquilobo. O único local no país a pertencer à Rede de Reservas da Biosfera da UNESCO.
Grande parte dos mais de 500 hectares que constituem a reserva estão na mão de particulares, que fazem uso agrícola das terras, com algumas restrições. Uma dessas restrições é só poderem cortar 70% das árvores. Ora, para quem tiver mais dificuldade em fazer contas é qualquer coisa como cortar 70 árvores em cada 100. Ficam 30. E 30 é muito pouco para tanta biodiversidade. Afinal é aqui que está instalada a maior colónia de garças da Península Ibérica. Além disso, os proprietários retiram os troncos grandes, que dão algum rendimento, e deixam ficar os ramos mais pequenos, que não dão sustento, mas que podem ser muito incómodos quando deixados no caminho. Um caminho estreito, ligeiramente mais elevado, que segue o curso principal de água e ao longo do qual se formam filas de choupos, freixos e salgueiros.
Desta vez tivemos a sorte de os terrenos ainda não estarem alagados é lá conseguimos seguir caminho em campo aberto. Mesmo por maus caminhos, o paul vale bem a pena uma visita. Todo o esforço é recompensado quando, depois de atravessar a zona de montado, se chega ao observatório estrategicamente virado para a lagoa. Daí, com uns bons binóculos, podemos observar o festim do corvo-marinho, da garça-real e da galinha de água, enquanto saboreiam mais uma refeição de peixe. O cágado-de-carapaça-estriada, a rã-verde, a lontra Lutra lutra, o texugo Meles meles ou a raposa Vulpes vulpes pode ser que se mostrem numa outra visita.
A autora e o blogue
Entre Santarém e a serra da Lousã, Marta Ribeiro não tem muita rede. É por isso que, apesar de manter o blogue Quimaterapia desde 2007, não é uma blogger, digamos, muito assídua. O que lhe ocupa as horas é a horta por regar. É aquele pedaço de madeira ou o tecido velho que encontrou. É ver as minhocas com o filho Gaspar, ir com ele e com o marido Joaquim tomar o primeiro banho de mar ou de rio. Mãe, jornalista, artesã, fotógrafa curiosa, Marta vive a mais de 65 km de Lisboa e adora. (Ah, e Quimaterapia não tem nada a ver com doenças. São apenas as terapias do Quim e da Marta).
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Marta Ribeiro 2014-11-12