Esta lua não é para tímidos

Marta Ribeiro vive no campo e gosta. Ainda assim não passa que não tenha algumas peripécias para contar, como os sons de alguns bichos em noite de lua cheia. A "orquestra" é de luxo, no entanto, falta um elemento essencial: o rouxinol. É a primeira crónica desta autora no Lifecooler.


Aqui no Ribatejo profundo, onde não chegam os postes da PT, chega-nos todos os meses a lua cheia. Felizmente este satélite, o único satélite natural da Terra, ainda não depende da lógica economicista de nenhuma multinacional. E não é preciso fazer nenhum contrato de fidelização para a ver agigantar-se de tal forma que ilumina tudo. Cada árvore, cada arbusto, cada flor mais insignificante, tem a sua sombra, como numa noite americana*. 


Os morcegos fazem-nos tangentes, talvez ofuscados com tanta luz. Ouve-se o piar dos mochos, o zunir das melgas o latir dos cães e o coaxar de rãs no charco que ainda sobra do ribeiro. Mas não se ouve o mais belo canto nocturno, o do rouxinol. Isto deixa-me intrigada. Uma ave que canta e encanta noutras noites, fecha literalmente o bico, nas noites de lua cheia. Fui investigar.

Sendo uma ave tímida, que se esconde no meio da vegetação e que raramente se deixa ver, os rouxinóis não conseguem passar despercebidos nas noites de luar e por isso calam-se. Os machos cantam regularmente à noite para atrair parceira. Mas não nas noites de lua cheia. Esta lua não é para tímidos. A corte fica para outras noites menos reveladoras.

Que fique aqui bem claro, para os ornitólogos que me possam estar a ler, isto não tem qualquer fundamento científico, baseia-se apenas na observação empírica de alguém que gosta de arregalar a vista e tentar perceber o funcionamento do universo que a rodeia, e por universo entenda-se o seu quintalinho.



*A noite americana refere-se a uma técnica especial de fotografia, muitas vezes utilizada no cinema, em que as cenas filmadas durante o dia, sob a luz do sol, parecem passar-se durante a noite, sob a luz da lua.

 

A autora e o blogue
Entre Santarém e a serra da Lousã, Marta Ribeiro não tem muita rede. É por isso que, apesar de manter o blogue Quimaterapia desde 2007, não é uma blogger, digamos, muito assídua. O que lhe ocupa as horas é a horta por regar. É aquele pedaço de madeira ou o tecido velho que encontrou. É ver as minhocas com o filho Gaspar, ir com ele e com o marido Joaquim tomar o primeiro banho de mar ou de rio. Mãe, jornalista, artesã, fotógrafa curiosa, Marta vive a mais de 65 km de Lisboa e adora. (Ah, e Quimaterapia não tem nada a ver com doenças. São apenas as terapias do Quim e da Marta).

Marta Ribeiro 2014-07-30

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