O Jardim Botânico do Porto, situado na antiga Quinta do Campo Alegre (propriedade da família Andresen), possui belas espécies arbóreas. Trata-se de um jardim romântico com caráter não só botânico, mas também histórico - serve de exemplo às quintas de recreio do séc. XIX, estético e literário - é uma referência na obra de Sophia de Mello Breyner Andresen.
Dia(s) de Encerramento:Na floresta encantada de Sophia
Botânico, mas ao mesmo tempo histórico e literário, o jardim que povoou o imaginário de Sophia de Mello Breyner junta plantas raras e memórias oitocentistas à casa, fadas e anões que a escritora eternizou nos seus livros. Quem conhece a obra irá (re)descobrir as portas e janelas desmesuradas, as flores mundanas e o rapaz de bronze (que afinal era rapariga). Os outros hão de gostar de “ler” um dos mais belos poemas verdes da cidade do Porto.
Jardim de sete vidas e de outros tantos donos ou inquilinos, o Botânico do Porto passou por várias mãos antes de ser o que é hoje. Depois de pertencer à Ordem de Cristo, aquele terreno do Campo Alegre foi convertido (no início do século XIX) em quinta de recreio de várias famílias notáveis do Porto. Os Andersen foram os últimos proprietários e venderam-no em 1949, três anos antes da instalação do jardim botânico.
Sophia nunca lá viveu mas passou boa parte da infância nesta quinta dos avós (João Henrique e Johanna Andresen), locais marcantes que a autora fez reviver na sua obra, sobretudo nos contos A Floresta e O Rapaz de Bronze.
Mais de 60 anos depois de ter surgido, o Jardim Botânico do Porto mantém, por isso, uma certa aura mágica e onírica. Visitá-lo é como regressar a um “território fabuloso” (assim lhe chamou Sophia) cheio de história e estórias para contar.
A casa “onde tudo era enorme”
Apesar dos mil e um tons de verde que pintam o jardim botânico, é quase certo que o primeiro olhar dos visitantes se irá fixar no vermelho inusitado (“cor borra de vinho tinto”, como disse um familiar de Sophia) da Casa Andresen. Só depois se presta mais atenção no que a rodeia: os bustos de Gonçalo Sampaio (botânico) e Ruben A. (poeta e primo de Sophia), duas araucárias centenárias e (como escreveu Sophia n`A Floresta) as “tílias altíssimas cujas folhas, de um lado verdes e do outro quase brancas, palpitavam na brisa.
O edifício “onde tudo era enorme” foi construído para servir de fábrica (como provam a ausência de um salão de baile e de uma escadaria central) mas o avô de Sophia mandou colocar várias molduras nas portas e janelas para lhe dar um ar mais familiar e ao gosto da época. As mesmas que a escritora chamou de “desmesuradas” e que enchiam a habitação de claridade.
Quem visitar a casa até 18 de novembro há de encontrar o piso térreo de portadas fechadas – assim obriga a exposição Invasão da Casa Andresen que a deixam numa imensa escuridão. Mas depois disso poderá colocar-se na pele de Isabel (a protagonista d`A Floresta) e descobrir as divisões que ela percorria, como “a sala do piano onde experimentava um por um o som misterioso das teclas brancas e pretas” ou a cozinha, onde “havia sempre barulho e agitação”.
Do Rapaz de Bronze à Floresta num virar de página
Mais do que um grande jardim, o botânico do Porto é composto por vários pequenos jardins, cada um com a sua temática e ambiente próprios. O primeiro à direita da casa é o jardim do Rapaz de Bronze, que inspirou o conto com o mesmo nome. Diz-se na obra que aquele era “um lugar sombrio, solitário e verde”, com um lago onde existia a estátua de um rapaz de bronze. Esta ainda lá esta mas, em vez de um rapaz, trata-se de uma menina de bronze. Mesmo assim, vale a pena fechar os olhos e imaginar tal personagem que, “de dia, não se podia mexer e tinha de estar muito quieto” mas durante a noite “falava, mexia, caminhava, dançava, e era ele quem mandava nos jardins, no parque, no pinhal, nos pomares e no campo.
A dois passos dali fica a casa do gato, onde salta à vista um grande buraco redondo na porta. Este foi feito de propósito para que o gato da quinta entrasse mais facilmente e não desse tréguas aos ratos que atacavam os produtos (sobretudo a fruta) daquele armazém.
Seguindo por um canteiro estreito vamos dar ao Jardim dos Anões, local incontornável do conto A Floresta, onde vivia o anão que se tornou amigo de Isabel. O enorme carvalho que ali existia (“eram preciso três homens para o abraçar”) acabou por morrer mas mesmo assim podemos imaginar as cavidades das raízes que lembravam pequenas cavernas. “Um bom sítio para morarem anões – pensou Isabel…”.
O lugar mais chique do jardim?
Junto a uma alameda de camélias (que Sophia chamava de “flores envergonhadas”) fica o Jardim do Xisto com os seus lagos cobertos de nenúfares e do outro lado está o Jardim do Peixe, assim batizado devido à forma do canteiro central. Era aqui que os Andresen tinham a sua espargueira (onde nascem os espargos), sinal de riqueza para a época. Contiguo a este (já nas traseiras da casa) encontramos o Jardim do Roseiral, rodeado por sebes de camélias e com um pequeno lago ao centro. À volta existe um conjunto em sebe de buxo e rosas cujo padrão é uma cópia do tapete que a avó de Sophia tinha em casa.
Quem quiser fazer uma pausa pode aproveitar para beber um chá na esplanada do Gosho Tea & Sushi (defronte para o jardim, sob as arcadas da casa) ou seguir para o Jardim dos Jotas, designação herdada dos quatro pares de jotas entrelaçados que evocam o amor de João Henrique e Johanna Andresen. Junto a eles está o busto de Sophia de Mello Breyner, ali colocado por ser um dos locais com mais referências no conto O Rapaz de Bronze. Uma delas fala das glicínias que rodeiam o banco de azulejos e dos gladíolos – “flores muito mundanas”, para quem “o lugar mais chique do jardim era esse jardim de bucho onde eles moravam”.
Outro espaço de referência no mesmo livro é o Jardim do Liquidambar, onde o carvalho pegou no gladíolo para que este conseguisse espreitar para a casa (ali mesmo ao lado) e ver a festa que decorria no interior. Agora, à vista de todos, está uma notável árvore de âmbar (juntamente com azáleas e rododendros) cujas folhas ganham um tom avermelhado no outono que faz lembrar a cor da habitação.
O mundo inteiro num jardim
Num canto mais afastado, onde no tempo de Sophia existiam pomares, encontramos agora o Jardim dos Catos e das Suculentas. Uns estão devidamente protegidos em estufas, enquanto outros crescem ali mesmo, indiferentes às diferenças de clima entre o Porto e os seus locais de origem. E o mesmo acontece com as plantas que compõem o vizinho Jardim do Lago, como o longínquo feto arbóreo da Tasmânia.
No extremo sul do Jardim Botânico, já apontando para o mar, fica o arboreto, espaço com menos intervenção onde as muitas espécies que o povoam crescem mais à vontade. Entre elas destacam-se as foias, as sequoias ou as ginkgo bilobas, mas o maior simbolismo é oferecido pelos abetos que evocam as origens nórdicas (Dinamarca) da família Andresen.
Para terminar a visita nada melhor que regressar ao Jardim dos Jotas, onde está a estátua da escritora. Afinal, foi ali que ela teve o primeiro contato com a poesia, quando uma criada da casa a ensinou a recitar A Nau Catrineta, de Garrett. E assim, entre poemas eloquentes, amigos imaginários e flores animadas, se escreveram as primeiras páginas da vida de Sophia. Haverá melhor narrador que as árvores do Jardim Botânico?