O arquipélago da Berlenga, formação granítica muito antiga, dista cerca de 15 quilómetros do continente, demorando cerca de meia hora de barco para se chegar lá. É constituído por três grupos de ilhéus: a Berlenga Grande e seus recifes, as Estelas e os Farilhões.
A Reserva Natural da Berlenga é extremamente rica do ponto de vista biológico, constituindo um dos locais mais importantes de nidificação de aves da Península Ibérica. O airo, símbolo da Reserva Natural da Berlenga, é uma das espécies mais ameaçadas da nossa fauna. A ilha da Berlenga, está dividida em Reserva Integral, Reserva Parcial e Área de Recreio. Existe ainda um Trilho de Natureza que se deve percorrer para conhecer a ilha.
Uma aventura na ilha
Numa amena e nublada manhã de agosto, apanhámos o barco na marina de Peniche e viajámos até à Berlenga. Enfrentámos o mar, que se revelou sereno, espreitámos as grutas, percorremos os trilhos e ainda tivemos tempo para pisar a areia da praia ao final do dia. Um privilégio ao alcance das apenas 300 pessoas que, por dia, podem visitar a Berlenga.
Mar adentro
Só de maio a setembro é que há barcos para a Berlenga. Várias empresas asseguram o transporte de passageiros mas a nossa companhia foi a Viamar, proprietária da embarcação Cabo Avelar Pessoa, um barco com mais de 20 anos e que foi construído com esse propósito único. O nome deve-o a um militar que, durante o século XVII, liderava os soldados que faziam a defesa do Forte de São João Baptista, um monumento que está prestes a conhecer.
Nesta altura do ano, tem duas hipóteses diárias de lá chegar. Uma às 9h30 e outra às 11h30. Assim que o barco atraca no cais, começa a azáfama. Não nos esqueçamos que é por este meio que tudo chega à Berlenga. Assistimos, durante uns bons dez minutos, a uma bem coordenada operação de descarga e carga.
É tempo, agora, da entrada dos passageiros que, apressadamente, tentam chegar aos lugares de vista privilegiada, na parte superior do barco, ao ar livre. Antes deste zarpar chega-nos às mãos um saco de plástico preto distribuído pela tripulação. Verdade seja dita que não enjoámos e também não vimos ninguém a dar-lhe uso. O truque, disseram-nos, é concentramo-nos na linha do horizonte. O nosso foi um comprimido para o enjoo tomado meia hora antes da partida.
Saímos da barra e em poucos minutos estamos em alto mar. Até à Berlenga são perto de 6 milhas (cerca de 10 km) que levam entre 30 a 40 minutos a percorrer. O mar estava bom, relativamente calmo, ainda que tenhamos sentido o baloiçar da embarcação. Dizem que a viagem de ida é sempre mais complicada que o regresso, o que acabámos por confirmar ao final da tarde, altura da baixa-mar.
Berlenga à vista!
À chegada, a ilha ergue-se majestosa em tons de terra salpicada, aqui e ali, por algum verde, provocado pelo chorão, uma planta invasora que foi levada para a ilha para proteger o desgaste das arribas.
No nosso plano estava contemplado um passeio de barco pelas grutas. São cerca de 20 minutos de passeio por 5€. As opções são várias sendo que as embarcações mais recentes possuem o fundo transparente o que permite explorar um pouco da riqueza do mar das Berlengas, classificado como reserva marinha.
É verdade que o barco do Sr. José Júlio, com quem seguimos viagem, não tem estas “modernices” mas em compensação traz-nos a sabedoria de quem cresceu na Berlenga e conhece-a como a palma da mão.
A caminho das grutas
Um dos mais conhecidos postais da Berlenga é a Praia do Carreiro do Mosteiro, cujo nome se deve à existência na ilha, noutros tempos, de um mosteiro da Ordem de São Jerónimo de que nada restou. Esta é a única praia de fácil acesso apesar de hoje o seu areal estar mais reduzido devido à erosão das escarpas.
Atravessamos o Carreiro da Inês, passamos a baía da Flandres e eis-nos já perto do Forte de São João Baptista onde a paisagem é de tirar o fôlego com a gruta de São João ao fundo, e uma pequena praia, resguardada na baía. Mesmo ao lado, damos com a Gruta da Lagosteira, assim batizada por causa do crustáceo que era abundante na ilha. Do outro lado do forte, encontramos a Rocha da Baleia, cujo nome vem do seu formato, e por baixo, a Gruta Azul. Tudo ao alcance de uma embarcação.
A viagem continua para o Furado Grande, uma das poucas grutas da ilha onde os barcos conseguem circular. São cerca de 60 metros debaixo de rocha que desembocam na chamada Cova do Sonho ou Cova do Sono. Chegamos à ponta mais a oeste da ilha da Berlenga – a Ponta da França (mas também lhe ouvimos chamar “Caga na França”) e damos início à viagem de regresso ao porto não sem antes apreciarmos uma rocha que é outro ícone do arquipélago, a Cabeça do Elefante.
Com os pés bem firmes em terra, é tempo de procurar o que almoçar. Na Berlenga existe um único restaurante (além de um mini, mesmo mini-mercado) onde encontra desde peixe fresco pescado ali (robalo, dourada ou sargo), sandes, saladas, pratos de carne e hambúrgueres. Os preços são pouco convidativos mas se nos concentrarmos na paisagem, rapidamente esquecemos o exagero da conta. Se for precavido leve o que comer. Não ande é à procura de sombras porque árvores é coisa que por ali não há, à exceção de uma figueira que alguém se lembrou de plantar numa escarpa e que já teve melhores dias.
Nos trilhos da ilha
Depois do passeio de barco, segue-se o pedestre. Aqui há duas opções – o trilho da Berlenga e o trilho da Ilha Velha. O primeiro tem cerca de 3 km, o segundo 1,5 km, e ambos têm como ponto de partida o Bairro dos Pescadores.
Este último leva-nos à descoberta da parte mais a nordeste. O percurso não é difícil mas exige atenção. Muitas pedras soltas pedem um calçado apropriado. É nesta fase que nos apercebemos da quantidade de gaivotas que habitam a ilha. São milhares de aves que se mostram indispostas assim que vêem o seu sossego ser invadido por visitantes. Até porque as crias nasceram em maio e estamos a falar de mães ultra protetoras. Será quase impossível escapar aos “dejetos aéreos” mas há uma técnica para evitar as bicadas. Pegue num pau e levante-o sempre que se sentir ameaçado. Resulta!
Este é o lado da ilha que nos permite observar os outros dois ilhéus que compõem o arquipélago das Berlengas – os Farilhões e as Estelas, ambas totalmente selvagens. Continue até ao planalto do Farol de onde se obtém, na subida, uma das melhores vistas de toda a Berlenga. Este percurso circular não termina sem uma passagem no Carreiro dos Cações, com uma praia deserta onde é impossível chegar sem ser de barco.
O Trilho da Berlenga leva-o ao Forte de São João Baptista. De igual forma majestoso quando visto de cima, para lá chegar é preciso vencer uma sinuosa descida por entre as rochas através de uma escadaria que conta com cerca de 160 degraus. Mas como se costuma dizer, “para baixo todos os santos ajudam”…
Atravessada a ponte com uma excelente visibilidade para a Pedra da Baleia, entramos finalmente na fortaleza, hoje convertida numa pousada/abrigo, explorada pela Associação Amigos das Berlengas. Disponibiliza quartos e cubatas a preços baixos onde uma noite pode ficar pelos 15€ ou até menos dependendo do mês. Só que a modéstia do preço reflete-se noutros aspetos: terá que levar roupa de cama, a cozinha e as casas de banho são comunitárias e o duche é de água fria.
Se quiser dormir na ilha tem outra hipótese, o parque de campismo, mas se não abdicar de alguns “luxos”, então a opção é o Mar & Sol, que além de restaurante, também aluga quartos, duplos e familiares, com pequeno-almoço incluído. Mas aí os preços começam nos 50€ e podem chegar aos 140€ para um quarto familiar na época mais alta.
Terminado o passeio ainda sobrou tempo para desfrutar um pouco da praia. Ao final da tarde, o carreiro do mosteiro fica resguardado do sol e, por isso, a praia fica mais vazia. Continuamos a ter a companhia das gaivotas que não conseguem abalar o nosso sossego interior e agora nem foi preciso usar a técnica do pau no ar.
Às 18h30, o Cabo Avelar Pessoa regressa ao continente. À medida que nos afastamos da Berlenga, onde o farol se ergue como rei e senhor da ilha, enche-nos uma certeza – este é um lugar onde ainda vamos voltar.
2014-08-06