Na antiga sala de convívio dos trabalhadores da Lx Factory, nasce o gastrobar Rio Maravilha, numa homenagem ao Tejo e ao Rio de Janeiro. Abriu em outubro de 2015. Em novembro de 2016, o chefe Bruno Dal Bianco assumiu o comando da cozinha.
Dia(s) de Encerramento: SegundasO acordo gastronómico entra em vigor na LX Factory
O rio Tejo e o Rio de Janeiro, o industrial e o tropicalismo, o vintage e o high tech encontram-se neste espaço singular que junta a cozinha portuguesa e mediterrânica a técnicas e ingredientes do outro lado do Atlântico. Atraem-se os extremos mas também alargam-se os horizontes, seja pelas vistas panorâmicas ou por um novo conceito de “gastrobar para o convívio” que desafia-nos a acompanhar os pratos com cocktails e a puxar conversa com a mesa do lado, bem ao jeito brasileiro. No Rio Maravilha, o Cristo Rei e o Redentor já começaram o bate-papo.
Há muito que o quarto andar da antiga Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense se habituou ao desfiar de conversas. No século passado, o último piso do edifício era utilizado como sala de convívio dos trabalhadores, que aproveitavam este local para descansar, beber um café e falar com os colegas, esquecendo a azáfama da fábrica e aproveitando as vistas privilegiadas para o Tejo. Várias décadas depois o topo da atual LX Factory está bastante diferente (pelo meio ainda serviu de morada à discoteca Lollipop) mas o ambiente industrial e o espírito descontraído mantiveram-se, acabando por inspirar uma nova sala de convívio: o Rio Maravilha.
O nome remete para dois rios: o Tejo, ali em frente, e o de Janeiro, do outro lado do Oceano. E se o primeiro salta à vista onde quer que estejamos, o outro surge de forma mais ou menos subliminar mas igualmente marcante, seja na decoração e no ambiente mas também nos paladares que, quase sem darmos por ela, nos puxam Brasil adentro. Tudo isto sem clichés e com um toque de bom humor, ou não pertencesse este espaço ao grupo Mainside, detentor da LX Factory, mas também da Pensão Amor ou da Casa de Pasto, no Cais do Sodré.
Olha que coisa mais linda…
O Rio Maravilha não é só o ponto mais alto da LX Factory como se arrisca mesmo a ser “o” ponto alto. Percebemos isso assim que as portas do elevador se abrem e damos de caras com uma sala cheia de contrastes, onde a herança industrial do ferro mistura-se com peças vintage (poltronas e candeeiros, por exemplo) e obras de arte contemporânea. Ou até ambas ao mesmo tempo, como acontece com as antigas tinas da gráfica Mirandela, agora transformadas em mesas hight tech que projetam imagens coloridas do Brasil. Outras, a preto e branco, surgem na tela do palco (entre a cozinha e o bar) onde o Redentor ganha protagonismo, parecendo fitar o Cristo Rei, na outra margem do Tejo, e desafiando-o a dar “aquele abraço”, como cantava Gilberto Gil.
A dois passos dali fica a sala de refeições, toda envidraçada, onde salta à vista uma frase do escritor brasileiro Paulo Lins que embaraça alguns e solta gargalhadas noutros, mas não deixa ninguém indiferente: “O Rio é bonito pra caralho!” (Sic). E Lisboa também é, como se constata pelo belo cenário alcançado deste espaço cheio de luz natural, com o Tejo, a ponte e o Cristo Rei em primeiro plano. Entre a decoração, destacam-se as cadeiras de padrões coloridos e, sobretudo, os tampos das mesas que recuperam os antigos jogos de tabuleiro da Majora, como o Jogo da Glória. Se quiser, peça os dados e os peões e desafie os seus amigos (ou mesmo a mesa do lado) para uma partida. Telemóveis para quê? Esta sim, pode ser uma boa distração à mesa.
Igualmente curiosa é a instalação artística desenhada no tecto, com naus, globos e caravelas, que nos põe de nariz no ar a interpretar uma recriação do caminho marítimo para o Brasil. Lá fora também ficamos a ver navios num terraço panorâmico, abrigado mas aberto ao Tejo, que sabe bem em qualquer época do ano. Aqui, a disposição das cadeiras verdes e amarelas (mais uma referência carioca) não é inocente, como que incentivando (outra vez) o contacto humano, até entre quem não se conhece. As vistas ou o tempo são sempre um bom desbloqueador de conserva mas se precisar de algo menos batido experimente falar do novo conceito deste gastrobar.
Deus é brasileiro mas o chef é português
O nome Rio Maravilha até pode sugerir um restaurante brasileiro mas, no fundo, este espaço não é uma coisa nem outra. Vamos por partes: mais do que um restaurante, autodenomina-se um gastrobar onde a comida e a bebida andam sempre de braço dado. Só que neste caso, os pratos também podem (e quase devem) ser acompanhados por cocktails. Um conceito inédito em Lisboa que levou o chef Diogo Noronha e o barman Fernão Gonçalves (os mesmos da Casa de Pasto) a criarem uma carta a quatro mãos onde cada iguaria tem um cocktail correspondente. Entre almas gémeas e extremos opostos, o casamento promete.
Assim acontece, por exemplo, com os “chips de mandioca e torresmos com ketchup” ou os “corndogs de alheira de caça com molho de couve portuguesa” que podem vir acompanhados por um “rum sour de ananás braseado, mel, alecrim e paprika”. E porque não conjugar “presa ibérica na brasa com folhado de cebola e pêra rocha” a um “gin fizz de framboesas, manjericão e espumante”? O resultado é uma combinação de sabores surpreendente que também chega às sobremesas, assinadas pelo chef pasteleiro Clayton Ferreira, como a “maçã assada com gelado de baunilha de Madagáscar” que vai bem com um “gin de infusão de chá preto e especiarias”.
Como se vê pela amostra, o Rio Maravilha está longe de ser um restaurante brasileiro mas não deixa de associar a gastronomia portuguesa e atlântico-mediterrânica a técnicas e ingredientes do país irmão. A prova está, por exemplo, nas “sandubas” (sandes à brasileira) com alguns acompanhamentos lusos ou na “folha de mandioca com bacalhau e fava da Amazónia”. E assim, do Tejo ao Brasil, se alcança o caminho marítimo para a glória. Gastronómica e não só.
2015-12-09