Crescer entre o Santini, as praias da Linha, jardins e palácios e um comboio que num instante alarga as fronteiras de um adolescente desejoso de experiências, não deve ser nada mau. É o que nos conta o André do À Paisana, um rapaz de Oeiras.
Nasci e vivo em Lisboa. Os meus dois filhos também nasceram e têm vivido sempre em Lisboa. Adoro Lisboa. Já morei em quatro bairros diferentes da capital e, neste momento, não me imagino a viver noutro sítio.
Mas não sou, nem me sinto, um lisboeta de gema. A maior parte da minha existência (cerca de dois terços) foi vivida em Oeiras. Nova Oeiras, para ser mais preciso. Os meus pais, a minha irmã, os meus sobrinhos, alguns amigos, ainda moram todos em Oeiras. Suponho que isto signifique que tenho uma grande parte de Oeirense. Mas não faço ideia do que isso seja.
Para a maior parte das pessoas Oeiras é aquele sítio que fica entre Lisboa e Cascais. Onde se joga a final da Taça de Portugal. Onde se construiu um monocarril que podia bem ter inspirado um episódio dos Simpsons. Onde a população que tem o nível médio de escolaridade mais alto de Portugal reelege um presidente da câmara condenado por corrupção. E, claro, a terra onde viveu o Marquês de Pombal, que também era Conde de Oeiras.
Mas, felizmente, crescer em Oeiras teve muito pouco a ver com trafulhices e branqueamento de capitais. Crescer em Nova Oeiras era sobre passar os dias a galgar passeios porque dava para ir de bicicleta a todo o lado, da Quinta do Marquês ao Clube de Ténis, do Shopping das Palmeiras ao Jardim Municipal. E também a dez minutos da praia. Um luxo.
A partir de certa altura é assumir o comboio como peça fundamental na nossa vida. Num instante poder estar no centro de Cascais a comer um gelado do Santini (a única loja, na altura), ou na Rua Direita a comprar bugigangas para oferecer a namoradas adolescentes (antes de haver Parfois em todo o lado). Lisboa era um bocadinho mais longe, mas assim que se dominavam os horários do “rápido”, ir ao cinema ao Mundial ou às compras na Valentim de Carvalho passava a ser a coisa mais fácil do mundo (quando havia dinheiro). Isso e o rito de passagem que era vir para casa, depois de sair à noite, no “primeiro (comboio) da manhã”.
E claro que não era preciso sair de Oeiras para passar um bom bocado. À medida que vamos crescendo, Oeiras também cresce connosco. Começam-se a descobrir os óptimos restaurantes de Paço de Arcos, dão-se uns passeios pelos Jardins de Caxias, pela Estação Agronómica Nacional, ou improvisa-se um fim de noite ao som de um jazz ao Beer Hunter (ainda dará Jazz? espero que sim). Sem falar de Algés, que sempre me pareceu uma “cidade” à parte, com um movimento e ritmo muito próprios.
Em Oeiras nunca senti que os rótulos tivessem muita importância. Claro que também havia betos, surfistas, mitras, metaleiros e skaters, mas nem sempre era fácil distingui-los, e a ideia que tenho é que a maior parte das pessoas era “normal”. Oeiras foi um ponto de partida, mas de certa forma será sempre um ponto de regresso. Nunca me hei-de esquecer do caminho para aquela que também já foi a minha casa.
O autor e o blogue
No início de 2013, poucos meses após o nascimento do seu primeiro filho, André Lapa lançou o blogue À Paisana. Desde a decisão de ser pai até aos “mexican reports” que vão dando conta da evolução do bebé (conhecido, vá-se lá saber porquê, como Mexicano), este é um blogue sobre a aventura de ser pai. Ou qualquer coisa do género. Update: o tempo passou, o André achou que precisava de mais ideias para escrever, e apareceu a «Xica». É verdade, o «Mexicano» já tem uma mana para o atazanar, e o André já devia saber no que se metia.
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Por André Lapa | À Paisana 2016-06-01