O que terão em comum os turistas e as pessoas sem filhos? André, autor do blogue À Paisana dá a resposta e não esconde uma pontinha de inveja. Mas promete aproveitar com os filhos o melhor da capital e da nova estação. Porque, afinal, “o Verão é de todos, e Lisboa também”.
No início deste mêso Público noticiou que os lisboetas se sentem “cada vez mais acossados” pelos turistas. Passando ao lado da surpresa que é imaginar os alfacinhas da Madragoa ou de Marvila a beber uma bica e comentar: “pá,ver estes bifes todos de meias e chinelos está a deixar-me acossado, até ando a dormir mal”, confesso que também me identifico com a sensação. Como morador de Lisboa, e pai de dois filhos, também me declaro acossado em Lisboa. Mas os culpados pelo meu acossamento não são os turistas. São um grupo ainda pior: pessoas sem filhos. E com o Verão a chegar, isto fica cada vez pior.
Vejo-os a sair do trabalho e a combinar ir até uma das 500 mil esplanadas de Lisboa para “beber umas cervejas e aproveitar o sol”. Depois fico a saber que essa ida à esplanada se transformou em jantar numa tasca qualquer. E tudo isto aconteceu no mesmo espaço de tempoem que se dá banho, alimenta, e adormecem duas crianças com 1 e 2 anos. Eles a chegar a casa com a barriga cheia de petiscos eu a adormecer no sofá com as animações psicadélicas que os canais para crianças dão a partir das dez da noite.
Oiço-os a planear os festivais de música que vão ver, as estratégias para ver os concertos que preferem, enquanto nós chegamos à conclusão que a única banda que conhecemos toca numa 5ª feira e que o dinheiro que se vai gastar com bilhetes, preços de cerveja de festival ebabysitter não compensa. Encontro-os na praia ao fim-semana e fico a saber dos planos que têm para jantar fora e ir dançar, com dúvidas existenciais sobre se hão-de ir a um italiano ou um japonês, ou acabar a noite no Incógnito ou no Lux. A minha grande dúvida nessa noite vai ser perceber porque é que a cama do cão, que não foi à praia,está cheia de areia.
E também sei que esta gente acorda tarde ao fim-de-semana e que combina experimentar brunchs de sítios com nomes exóticos. A essa hora já fomos ao parque infantil ou estamos a regressar da praia por causa da hora do calor. Provavelmente também vamos acabar por almoçar uns ovos mexidos com sumo de laranja, que é quase como se fosse um brunch, mas falta estar ao lado de pessoas de ar convencido e óculos escuros modernos.
Portanto, é claro que esta gente me acossa. Estão numa das capitais mais interessantes da Europa, têm bom tempo, excelente comida, boa vida nocturna, não gastam dinheiro em creme barreira, fraldas ou escolas, e, ainda por cima, podem andar pela noite a acossar suecas (ou suecos) à vontade.
Está certo que também já fui com os meus filhos a essas hamburguerias modernas, ou a alguma tasca comer sardinhas e correu tudo bem. Também posso ir com eles para uma esplanada ao fim de tarde, pedir caracóis, imperiais e oferecer-lhes um gelado, que ficamos todos contentes. E também é verdade que posso ir buscar bom sashimi, pizzas à italiana, ou umas pataniscas bem feitas para comer em casa, já depois deles terem adormecido. E que já não tenho grande pachorra para festivais de música.
É que, com ou sem estrangeiros, com ou sem noitadas, com ou sem muito dinheiro, Lisboa ainda se torna mais incrível no Verão. Sim, mesmo com miúdos. Deixem-me só queixar de vez em quando. E, já agora,deixem que os meus filhos (dentro dos limites do bom senso) vos acossem nas esplanadas, nos restaurantes ou na praia, está bem? O Verão é de todos, e Lisboa também, aproveitemos!
O autor e o blogue
No início de 2013, poucos meses após o nascimento do seu primeiro filho, André Lapa lançou o blogue À Paisana. Desde a decisão de ser pai até aos “mexican reports” que vão dando conta da evolução do bebé (conhecido, vá-se lá saber porquê, como Mexicano), este é um blogue sobre a aventura de ser pai. Ou qualquer coisa do género. Update: o tempo passou, o André achou que precisava de mais ideias para escrever, e apareceu a «Xica». É verdade, o «Mexicano» já tem uma mana para o atazanar, e o André já devia saber no que se metia.
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