Sobremesas

Beira Interior - Roteiro de Sabores

A doçaria da Beira é, com raras excepções, austera e de origem popular. Não abundam por aqui os ricos e excessivos doces de ovos, amêndoa e açúcar em ponto que se encontram noutras regiões do país. A relativa escassez de conventos femininos ajuda a explicar a peculiaridade doceira da região. A excepção é a zona de Viseu, herança da doçaria do mosteiro de Bom Jesus. No mais, e mesmo em muitas das sobremesas de origem conventual, predominam a confecção simples e astuciosa de bolos, biscoitos e bolinhos à base de farinha e ovos, algum açúcar ou mel e azeite, aqui e ali aromatizados com limão, laranja, erva doce ou canela. Dentro desta matriz, existe um sem número de pequenas variações, cada qual com o seu nome, consoante a aldeia ou vila em que se fabricam.

Registem-se, à cabeça e a dar o mote, os biscoitos de azeite ou azeiteiros, comuns a toda a beira, em forma de  rolo achatado, ou de SS, etc. As bicas de Castelo Branco, as conhecidas cavacas da Guarda ou as de Santa Eufémia, no Penedono, os pães podres de Castro Daire, o bolo escuro de Trancoso e o bolo do Loreto (Almeida) são alguns bons exemplos desta doçaria em que o azeite é a gordura utilizada. Noutros, hoje menos comuns, usa-se a banha, como no bolo de S. Vicente da Beira (que leva banha e azeite) e nos bolos e broas de banha de Monforte da Beira, Cardigos e Almeida.

Um outro ingrediente tradicional que, tal como os anteriores, é fruto da terra, é o mel, companhia habitual do azeite quando se trata de doces. Entre outros, assinalem-se o bolo, bolos e broas de mel de Proença a Nova, de Castelo Branco ou de Oleiros, ou os de Trancoso e S. Vicente já referidos. 

Terra de queijos, o requeijão faz aqui a sua entrada no sector da doçaria, com o pudim de requeijão, os bolinhos, os borrachões e as broinhas do dito. Ou, muito simples e deliciosamente acompanhado com mel ou doce de abóbora, moderna maneira de o comer que se difundiu pelo país.

No rol dos doces tradicionais mais conhecidos e consumidos estão as tigeladas e as papas de carolo. As primeiras, consideradas por muitos como a mais deliciosa sobremesa beirã, juntam ovos, leite, limão, açúcar, farinha e canela e cozem em tachinhos de barro vidrado. As segundas, muito populares durante o Inverno, sobretudo na Guarda e na Covilhã, são feitas com milho branco ou amarelo partido, leite, algum açúcar e canela. Podem ser adoçadas com mel e enfeitadas com frutas cristalizadas. E muitas outras papas, como as de azeite e as doces. Refira-se ainda, neste domínio, o manjar branco das beiras, que leva apenas açúcar, leite, farinha e cravinho, indo depois ao forno a alourar, em montinhos. Na versão de Trancoso, do mosteiro das clarisas, leva farinha de arroz e de trigo.

Arrolem-se ainda o pão leve ou pão-de-ló, os pudins de leite, de sêmola e de laranja e os inúmeros bolinhos e biscoitos de que se indicam o nome de alguns: biscoitos de gema, carolos, bolos dos santos, esquecidos, faxios, talassas, caladinhos, etc.

Como sucede por todo o país, também o arroz doce, a aletria e o leite creme são aqui doces comuns e obrigatórios em dias de festa. O primeiro, chamado arroz doce de cesto, distingue-se pelo facto de ir para a mesa dentro de um guardanapo que se põe dentro de um cesto. Em Seia, nos almoços de casamento serve-se uma curiosa junção de arroz doce e leite creme, com este, queimado, a cobrir o arroz. Pelo natal, predominam as orelhas de abade, os coscoréis e as filhoses tendidas no joelho.

Deixámos para o fim os doces de ovos e ovos e amêndoa. Os mais reputados são os de Viseu: castanhas de ovos, celestes, ais, ovos tremidos, rosetas, viriatos, ouriços, ninhos, de origem conventual. As modernas gargantas de freira, criadas no início do século XX pelo dono de uma pastelaria da Covilhã, inserem-se nesta tradição. Na mesma cidade, confecciona-se um curioso doce, não tanto pelo conteúdo como pela forma que lhe dá o nome: órgão. São uns canudos de diferentes tamanhos, feitos com massa frita de farinha, ovos, açúcar e um cheiro de aguardente, recheados com uma massa de gemas e amêndoa e que levam fios de ovos nas extremidades. Dispõem-se num prato, colocando o canudo maior no meio rodeado dos outros por tamanho decrescente, ficando a parecer o órgão da igreja. Trancoso guarda a memória da receita das sardinhas doces que a irmãs do convento de santa Clara aí sitas costumavam confeccionar: massa que se recheia com uma mistura de açúcar, gemas, e amêndoa, se corta em forma de pequenas sardinhas e se cobre com chocolate.

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