Restaurante Dona Júlia - Braga

O pecado da gula no caminho para o santuário

Numa curva da via da Falperra que liga a cidade de Braga ao Sameiro, este restaurante é uma referência gastronómica que seduz pelo ambiente e conquista pelos sabores. A cozinha tipicamente minhota e com um toque caseiro serve de denominador comum a uma casa com espaços distintos mas sempre elegantes. Agradeça-se à D. Júlia, a mulher que transformou este local num templo gastronómico onde cada prato é um ato de fé.

Se para os adeptos do automobilismo o nome Falperra é sinónimo de rally, velocidade e adrenalina, para os gastrónomos e comensais faz lembrar sobretudo o restaurante Dona Júlia. Situado numa curva do antigo circuito, paredes meias com o Hotel da Falperra, esta casa herdou o nome da atual proprietária (e ainda cozinheira) que para lá se mudou de armas e bagagens em 2006.

A ideia era dar a provar os mesmos petiscos e sabores que confecionava nas casas por onde passou antes (uma na Póvoa do Lanhoso e outra no centro de Braga) mas agora por conta própria (em sociedade com o irmão) e num espaço mais nobre. Para isso foi preciso reconstruir quase todo o edifício, que do original apenas manteve a fachada e pouco mais.

E assim, aquela curva da Falperra deixou de convidar a grandes correrias e tornou-se num espaço para desfrutar sem pressas, onde cada prato deve ser degustado com todo o tempo de mundo. E, de preferência, em boa companhia, como sugere uma citação do jornalista A. J. Liebling colocada no átrio inicial do restaurante: “Comer e conversar, uma mesta arte”.

Cores e palavras que criam ambientes

O espaço está dividido em três salas, cada uma com a sua decoração e personalidade próprias. Logo à entrada (à esquerda) fica a Sala Vermelha, batizada com a cor (quase sangue de boi) que domina a área, em contraste com o branco imaculado das toalhas de linho, o granito de parte das paredes ou a luz ténue que oferece mais intimismo a cada mesa. Mas o que mais salta à vista é a palavra comer, escrita em cascata (do teto à parede) numa dúzia de línguas que despertam o apetite ao mais longínquo dos clientes.

Para lá de um corredor que também dá acesso à cozinha fica a Sala Azul, esta com um ambiente mais contemporâneo e opulento, graças às dezenas de garrafas de champanhe Ruinart (marca de luxo francesa) que decoram uma parede inteira. Nas traseiras desta fica a garrafeira do restaurante e mesmo em frente existe uma enorme superfície envidraçada que enche o espaço de luz. Uma das portas dá acesso ao jardim e à esplanada (aberta no verão) onde também se pode fazer uma refeição ou simplesmente tomar uma bebida.  

No primeiro piso fica o espaço mais recente do restaurante - a Sala Cinzenta – dominado pela cor preta, desde o teto (ainda com as vigas de madeira originais) às paredes, mesas e cadeiras. Aqui serve-se sobretudo sushi mas também não falta um bar de gin para os adeptos da bebida da moda. Juntas, estas duas novidades trouxeram um toque de modernidade à casa e provaram que até os mais tradicionais pratos minhotos podem conviver com as últimas tendências gastronómicas.

Vira minhoto de sabores

Apesar da recente incursão pelos sabores nipónicos é o Minho que dá “tempero” à ementa do Dona Júlia. Assim acontece nas entradas - onde se destaca a alheira com grelos, a morcela na brasa e as favas com chouriço - mas também nas sopas à moda antiga como a canja de galinha ou o caldo de legumes.

Nos pratos principais há especialidades para todos os gostos, como o afamado cabrito assado no forno, o arroz de feijão com secretos de porco ou o lombo de boi. Já no peixe vale a pena provar o polvo assado na brasa com batata a murro e grelos, o bacalhau no forno com puré (foi a nossa escolha e não nos arrependemos) ou a massada de tamboril. Tudo o que vai ao forno é servido em caçarolas de barro, o que dá um ar ainda mais típico e castiço à refeição.

Nas sobremesas, as especialidades regionais voltam a marcar presença, sobretudo no pudim abade de Priscos e no leite-creme. Quanto ao vinho, a adega da casa conta com mais de 170 referências, quase todas nacionais e com especial prevalência para os tintos e brancos do Douro e do Alentejo e para os verdes minhotos.

Bendita D. Júlia

Além dos sabores apurados, o restaurante notabilizou-se também pelas doses fartas (bem à moda do Minho) e pela apresentação cuidada mas sem pretensiosismos de nouvelle cuisine. E assim será no futuro, garante-nos a D. Júlia, que ainda hoje se mantém à frente da cozinha, indiferente ao estatuto de empresária de sucesso que entretanto adquiriu.

A casa ainda chegou a contratar vários chefes de formação mas os clientes, devotos fiéis da cozinha regional, deram pela diferença e “exigiram” o regresso da cozinheira de sempre. O santuário do Sameiro fica a dois passos, no cimo do monte, mas enquanto a D. Júlia continuar, este restaurante há de ter sempre as suas próprias romarias.  

Nelson Jerónimo Rodrigues 2013-12-04

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