Descendo a Rua do Alecrim, quase a chegar à Praça Duque da Terceira, vulgarmente conhecida com Cais do Sodré, corta-se à direita na Tavessa do Alecrim. Vencido o primeiro lance de escadas de calçada, logo alcançamos a porta, ou melhor, o portão de ferro verde, que oculta um restaurante inesperadamente bonito, pela sua refinada arquitectura. Logo no hall, duas confortáveis cadeiras de vime de estética apelativa dão descanso a quem aguarda a sua vez ou simplesmente pretende jogar dois dedos de conversa fora no bar, acompanhado de algum aperitivo. Do tecto, destacam-se os arcos de tijoleira que suportam este ainda edifício pombalino. Ao longo de mais de dois séculos de história e entre diversas usos, estes espaço já serviu de armazém, até ter sido votado ao abandono por décadas. Quando pegaram nele, os actuais proprietários encontraram uma casa degradada, que foi intervencionada para receber este moderno restaurante. A ergonomia do material foi também privilegiada, o que se nota nas amplas mesas quadradas de 70 cm de lado, quer nas confortáveis cadeiras de cerejeira onde ao fim de um par de horas continuamos sem sentir alguma dor nas costas. As toalhas e guardanapos de linho, são alguns dos toques de classe, que vamos descobrindo à medida que o tempo passa. Em cada mesa existem candeeiros que resultam melhor de noite, quando a luz da sala diminui de intensidade, tornando o ambiente mais romântico ajudado pela luz de velas. Talvez poderá faltar algum pequeno pormenor decorativo nas enormes paredes, porém convém lembrar que oito meses ainda é pouco tempo para se encontrar o equilíbrio total na relação das coisas. A acústica do espaço é bastante boa e não somos perturbados pela conversa do vizinho da mesa do lado, talvez devido ao pé direito elevadíssimo. Para colmatar o silêncio e nos fazer companhia, há música ambiente ligeira, que às vezes aflora o jazz. Aos fins-de-semana, devido à maior afluência de jovens, mudam-se os ritmos para batidas mais animadas.
Gastronomicamente falando e olhando para a carta, poderemos ter alguma dificuldade em definir o tipo de restaurante. Será incorrecto classificá-lo apenas como o típico alentejano, o que de todo não corresponde à verdade. Existem entradas variadas como a salada caprese ou Foie de aves com xerez. E nos pratos principais, para além do bife de lombo ou do bacalhau com natas, destacam-se agora sim os alentejanos suculentos secretos de porco preto e a posta de bacalhau assado à alentejana. Esta última com uma apresentação estética mais afinada do que o normal, ainda que concebida de acordo com o modo tradicional. Na carta de vinhos, são os alentejanos detêm claro domínio sobre os douros e esta tendência para as terras do sul explica-se pelo facto de um dos sócios gerentes, João Morais, ser do Redondo, uma vantagem de quem conhece os produtos da terra. Mas talvez devido à proveta idade desta casa, ainda não existem os preços proibitivos dos Pêra Mancas a mais de 100 euros a garrafa. Vinhos modestos como a Porta da Ravessa ou alguns Esporão, onde as garrafas mais cara andam a rondar os 30 euros. Para as sobremesas, recomenda-se o toucinho do céu e para os dias mais frescos que se adivinham, o sorvete de limão com doce de hortelã. Entre outros pontos positivos, é de realçar a política da casa em não molestar os clientes pressionando-os a abandonar a mesa especialmente aos fins-de-semana. Visto que o espaço é relativamente pequeno, o ideal seria rodar os 42 lugares duas vezes numa noite concorrida, média que ainda não foi atingida e segundo João Morais “a principal prioridade é que as pessoas se sintam em casa”. Esperemos que continuem a manter este tipo de política de bem servir.
N'Dalo Rocha 2004-07-20