Os lugares da alma de Vergílio

A Costureira de Palavras desenha o mapa das paisagens físicas e literárias de Vergílio Ferreira. Dos penedos serranos de Melo, onde nasceu, ao paraíso perdido de Sintra, uma viagem embalada pela prosa poética do escritor.

«Que têm que fazer, em face da minha dor, da minha alucinação, estas árvores matinais da avenida que percorro, a branca aparição desta cidade-ermida?»
Vergílio Ferreira, Aparição


A obra de Vergílio é o seu diário de bordo. Do posto de vigia da alma, registou não só os lugares por onde passou, mas sobretudo as diferentes relações que construiu com as diferentes paisagens portuguesas que habitou – e que o habitaram.

Os penedos serranos que cercavam Vergílio Ferreira na aldeia de Melo, Gouveia, nos primeiros anos da sua vida e da sua peregrinação existencial, despertaram nele o medo da solidão e o desejo de claridade.
Que têm que fazer, em face do seu medo, esses montes castradores? Impeli-lo a ultrapassá-los.

A claridade apresenta-se-lhe em Coimbra, no tempo de estudante, cidade que baptizou de Soeira no livro Para Sempre. Como reza a canção, a Coimbra de Vergílio é mulher.
Que tem que fazer, em face do amor, essa cidade que lhe ensina o mito? Impeli-lo a aprender a realidade.

Mas que o encontra em Évora, cidade aberta, cidade-ermida, é o palco de uma tragédia anunciada sob um sol impiedoso. Alberto, o protagonista de Aparição, e Sofia, a malograda mulher que o atormenta, implodem de tanta luz.
Que tem que fazer, em face da tragédia, essa «branca aparição»? Mostrar-lhe o caminho para a capital: «Onde fica a Lisboa febril, eléctricos, automóveis, buzinas, cartazes luminosos e gente e gente?»

Lisboa, cidade que viu morrer Vergílio, viu-o também incomodar-se com a febre que, em tempos, buscou; e assim procurou um refúgio rodeado de mar para onde se evadia regularmente e onde, aparentemente, se encontrou. Foi em Fontanelas. «Sintra é o mais belo adeus da Europa quando enfim encontra o mar. (...) Alguém a trouxe de um paraíso perdido ou de uma ilha dos amores para uma serenidade de amar. Ela é assim o refúgio de nós próprios e de todo o excesso que nos agride ou ameaça.»

«Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir», disse Álvaro de Campos. Afinal, a melhor maneira de não sentir é viajar, respondeu-lhe Vergílio Ferreira, não com palavras, mas com errância.

E que têm que fazer, em face daquilo que o fazem sentir, os pontos assinalados no mapa da biografia errante de Vergílio Ferreira? Impeli-lo a escrever. Escreveu para, nas suas palavras, «tornar um espaço habitável.»

E lê-lo é abrir espaços habitáveis no desconcertante mistério de estarmos vivos.

 

A autora e o blogue
Marta, a costureira de palavras, apresenta-se como “a versão feminina de Cyrano de Bergerac, menos trágica e um pouco menos nariguda”. Editora de conteúdos em diversas plataformas, é no blogue que vai partilhando os seus trabalhos e inspirações (sempre que as palavras não são secretas).
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