Fã da tecnologia e do digital, André, do blogue à Paisana, vive (ou vivia) bem sem o papel. Sobretudo sem as revistas de há seis meses no consultório do dentista. Até que foi pai e redescobriu a magia de entrar numa livraria, agora com uma criança pela mão. Sim, é tão lamechas quanto isso. Ou melhor: inspiracional, como agora se diz.
Não tenho grandes saudades do "antigamente". Gosto do mundo pós-internet. Do digital. Não gosto daqueles grupos do "Eu ainda sou do tempo em que…". É um privilégio incrível poder estar numa sala de espera a ler o New York Times no telemóvel. Há quem tenha saudades de ler uma Nova Gente de capa desfeita? Há malucos para tudo.
Há coisas "analógicas" que vou deixando de fazer. Comprar (e guardar) discos, por exemplo. A minha colecção de música vive na nuvem, as minhas descobertas sonoras passam pelo Spotify. Também deixei de comprar revistas, de papel. Ou jornais. E, de há uns anos para cá, começou a ser menos frequente entrar em livrarias.
Não foi sempre assim. Desde miúdo que me lembro de querer entrar em todas as livrarias que encontrava. Eram lugares obrigatórios de visita. Cada livraria prometia mundos de ideias, encontros conhecidos ou descobertas fortuitas de novas histórias, banda desenhada, música, cinema, o que fosse. Cada uma era um ponto de acesso analógico para um mundo que ainda não existia através da Internet.
Tenho memórias vívidas de livrarias. Lembro-me de ficar fascinado com o caos livresco, e subterrâneo, da Livraria Galileu, em Cascais (e de, uma vez, ter comprado lá livros do urso Petzi). Também me lembro de descobrir o meu primeiro livro do Robert Rankin, um dos autores que mais me faz rir, numa livraria de rua na Parede, onde só entrei uma vez na vida. Ou de obrigar o meu pai, com um ar meio consternado, a comprar-me um Manual Prático do Vampirismo na Bertrand do CascaiShopping. E isto tudo aconteceu há mais de vinte anos.
Com as livrarias online, os e-books e estantes que se enchem de livros que ficam por ler, comecei a entrar menos em livrarias. Só quando era para oferecer a alguém, ou nos aeroportos, para ver o que o mundo anda a ler.
Ultimamente a tendência tem vindo a reverter-se. Procuro livros para os miúdos. Para os meus, ou para oferecer. Há uns tempos fomos a uma sessão de leitura de um livro infantil. Fiquei surpreendido, a loja estava apinhada de gente. Gostei de sentir que o espaço Livraria continua a fazer todo o sentido, sobretudo num mundo digital. Os meus filhos gostam de livros, e eu gosto que eles vão deixando o meu tablet em paz. Se calhar até vou ter saudades destes tempos (em que tinha o tablet só para mim).
O autor e o blogue
No início de 2013, poucos meses após o nascimento do seu primeiro filho, André Lapa lançou o blogue À Paisana. Desde a decisão de ser pai até aos “mexican reports” que vão dando conta da evolução do bebé (conhecido, vá-se lá saber porquê, como Mexicano), este é um blogue sobre a aventura de ser pai. Ou qualquer coisa do género. Update: o tempo passou, o André achou que precisava de mais ideias para escrever, e apareceu a «Xica». É verdade, o «Mexicano» já tem uma mana para o atazanar, e o André já devia saber no que se metia.
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Por André Lapa / À Paisana 2015-12-02