O assustador guia turístico que há em cada um de nós

Que monumentos visitar? Qual a melhor esplanada para tomar um copo ao final da tarde? Jantar onde, no Bairro ou no Cais do Sodré? Andar de elétrico, subir aos miradouros, descer aos subterrâneos. E provar de tudo, do pastel de bacalhau ao pastel de nata, dos caracóis aos peixinhos da horta. Não gosta? Come menos. A Bumba na Fofinha explica o que acontece quando um estrangeiro pergunta a um português o que deve fazer em Lisboa.

Aquele singelo dia em que um amigo de Erasmus resolve dizer que vem visitar-nos a Lisboa e atira-nos aquela pergunta que nos vai fazer suar do bigode durante 35 minutos: “O que é que devo visitar?”

O português tem uma maneira muito especial de receber. Somos fortíssimos. Implacáveis na hospitalidade. Eloquentes a explicar porque somos lindos. Pregamos secas de primeira a contar a nossa História. Discutimos até à morte para chegar a um veredicto do restaurante de logo à noite.

E com esta singela pergunta algo de estranho acontece e nós tornamo-nos imediatamente uma espécie de encarregados de educação do nosso amigo estrangeiro em tudo o que concerne esta visita.

“Ah, mas só fico 3 dias.” diz-nos ele. Diacho. Pedirem-nos para sumarizar Lisboa e arredores em 3 dias é como obrigarem-nos a escolher filhos preferidos depois de passarmos uma vida inteira a tratá-los por igual.

Mas é o que temos para trabalhar. Arregaçamos as mangas e começamos a dedilhar furiosamente uma lista the Best Of’s: Baixa, Bairro, Bica, Chiado, Alfama, Mouraria, Belém, Jerónimos, os jardins, o eléctrico, as feiras, os miradouros, os mercados, os museus, o Lux, o Lx Factory, o Cais do Sodré, o pastel de Nata, o queijo da Serra, as pataniscas (“patanuescas”, arriscamos nós em espanholês) o bacalhau à lagareiro, o bacalhau à Brás, o bacalhau à Zé do Pipo - no fundo, os três dias podiam ser passados non-stop a comer bacalhau - o leitão, as praias da Costa, o Guincho, os 276 petiscos que não podes deixar de experimentar, uma visita a Sintra, uma visita a Cascais, uma excursão a Óbidos, outra a Sesimbra, outra à Ericeira, já disse Arrábida?

Estamos a suar do bigode quando acabamos a lista, ainda com aquela sensação visceral de estarmos a cometer uma qualquer injustiça por omissão. E, depois, sem que nada possamos fazer para evitá-lo, o nosso amor pela cidade começa a dar esgares de obsessão-compulsão e o que podia ser um debate saudável redunda em ameaças violentas ao amigo:

“Nem pensar que vamos num autocarro Hop-on Hop-off, blargh. Lisboa tem de ser vista a pé. Até pode ser naquele passo de marcha que vemos nos Jogos Olímpicos, mas tem de ser a butes.”

“Como assim comeste num restaurante luso-italiano-indiano na rua Augusta sem a minha autorização?!”

“Como assim não gostas de praia?"

"Para conseguirmos fazer tudo, podemos então assumir que dormir não vai ser necessário?”

“Nem pensar, não vais a Belém sem comer um pastel de nata. COMO ASSIM NÃO GOSTAS DE PASTEL DE NATA?! Nunca podes ter provado porque o daqui é sem igual! Estou-me borrifando para a tua alergia mortal ao glúten!"

Sim. Todos nós temos um alter-ego guia turístico que vive no lado negro da Força. Que leva o patriotismo a peito, para o bem e para o mal. É uma ansiedade que pulula cá dentro. E nestes momentos ele acusa a pressão, porque é muita coisa para pouco tempo, e ele precisa urgentemente que o amigo perceba que vai ter de voltar porque não vai dar para tudo, nunca dá, somos enormes. E no fundo, se fôssemos nós o amigo de Erasmus, éramos bem capazes de nos mandar pentear macacos, porque o objectivo são férias e não um bootcamp sado-maso.

Mas Lisboa, Portugal, também somos nós, assim doentiozinhos, neste brio sôfrego de mostrar o melhor e nesta protectora relação mãe-crias do que é nosso.

Somos o couvert de azeitonas com orégãos, a jola fresquinha e o “olá" e “adeus" em 20 línguas. Somos a fachada do edifício, o padrão do azulejo e o pombo sarnento a cagar na estátua.

E é sobre isto que se escrevem epopeias, afinal de contas.

 

A autora e o blogue
Uma singela página de reciclagem de trivialidades com visitas regulares à Parvónia, de uma jovem moça em idade casadoira, com uma bela anca (uma “anca parideira”, diria a sua avó, perante as mais variadas audiências - “boa para uma ninhada” - enquanto lhe dá vigorosas palmadas na coxa).
No Bumba na Fofinha encontrará o verdadeiro humor de fusão, como aqueles buffets chineses especializados em tudo – baratucho, potencialmente indigesto, mas por 7,50€ enche-se o bandulho com sushi, burritos, e maminha no churrasco.
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