Ensaboadelas de história
A antiga escola primária de Belver deixou de dar aulas mas continua a ensinar miúdos e graúdos. Agora, é a história do sabão que se conta num dos raros museus mundiais dedicados a este produto. Das origens milenares aos tempos em que foi estrela da publicidade, sem esquecer a memória coletiva da vila, revela o bê-á-bá do sabão e até explica como fazê-lo em casa.
Nem só de batalhas e conquistas se escreve a história de Belver. Esta vila secular, hoje pertencente ao concelho de Gavião, também chegou a ser um importante centro de produção de sabão. No século XVI foi lá instalada uma Real Fábrica do Sabão e, mesmo depois do fim monopólio régio (em 1858) o ofício manteve-se vivo graças a várias indústrias artesanais ou casas de Sabão Mole, como eram designadas na altura.
A tradição durou até à primeira metade do século XX mas desses tempos só restaram algumas ruínas (e as histórias dos mais velhos) por isso a autarquia decidiu construir um espaço que perpetuasse a memória coletiva dos saboeiros de Belver. O local escolhido foi a antiga escola primária que, depois de totalmente remodelada, ganhou uma nova vida como Museu do Sabão. Um ano depois da inauguração (abril de 2013) fomos espreitar o que agora se aprende por lá.
Da Mesopotâmia a Belver
Tal como o conceito do museu, também o edifício que o alberga é uma mistura entre antigo e moderno. Visto por fora, tanto faz lembrar as escolas do Estado Novo como surpreende pelas linhas contemporâneas e pelas amplas janelas que entretanto se acrescentaram nas paredes brancas. Lá dentro, qualquer semelhança com o passado é pura coincidência e o espaço torna-se até um pouco vanguardista, com expositores negros iluminados por dezenas de focos de luz.
Embora seja composto, sobretudo, por uma grande sala (com alguns recantos) apresenta vários espaços distintos, cada qual com a sua temática. Ao início começa por explicar a composição do sabão (estrutura molecular de átomos de carbono, oxigénio, hidrogénio e sódio ou potássio) e como atua na sujidade, socorrendo-se mais uma vez da química para o demonstrar. Da teoria à prática, revela também a receita de um sabonete de glicerina que os visitantes (com marcação) poderão experimentar no final da visita ou fazer mais tarde em casa.
Depois de uma pirâmide de sabão, segue-se uma viagem pela história deste produto, cujas origens remontam à Mesopotâmia e ao Egito, na altura ainda utilizado com fins medicinais. Um salto no tempo leva-nos depois ao século XVII quando a rainha Elisabete de Inglaterra começou o hábito de tomar banho… de quatro em quatro semanas.
O sabão em Portugal e, especificamente em Belver, também tem direito a expositores próprios, destacando a Real Fábrica do Sabão que existiu na localidade (século XV) e a revolta de saboeiros (século XIX) que ditou o fim do monopólio régio a este produto. Num recanto com vistas para o castelo de Belver há, inclusive, um teatro de fantoches que explica este episódio aos mais novos e dois manequins com trajes típicos do saboeiro e da saboeira.
Memórias que lavam mais branco
A área seguinte do museu oferece uma experiência mais interativa, a começar por uma maquete que mostra a localização das antigas saboarias. Ali ao lado fica uma pequena sala com objetos antigos, como colheres, facas de cortar sabão e vasilhas que serviam para misturar os ingredientes. É nesta altura que nos explicam por que razão esta indústria ganhou tanta relevância em Belver: tudo graças à abundância da matéria-prima (como o azeite e a cinza) essencial para o fabrico do sabão.
Um passo adiante depara-se com um ecrã tátil que desafia os visitantes a rebentarem bolinhas de sabão (as crianças adoram), um painel multimédia e um vídeo que mostra como se fazia o produto na localidade. Curiosamente este sabão nunca chegava a atingir o estado sólido (era mole) porque utilizava potassa e não soda cáustica como a maioria.
Por fim é tempo de admirar uma grande montra que ocupa o centro do museu. Dedicada às principais fábricas de sabão em Portugal – como a Confiança e a Ach Brito - mostra alguns dos sabonetes e detergentes que marcaram o imaginário do século passado, caso do Musgo, do Lux, do Rexina ou do OMO. Autênticas relíquias de infância para muitos visitantes que aqui matam saudadas dos produtos e slogans da época. Lembra-se do “Lava no tanque, ainda mais branco”?
Nelson Jerónimo Rodrigues 2014-04-23