Uma vida dedicada à brincadeira
Esta semana, antes de falarmos de um local, trazemos-lhe a história da vida de um homem. João Arbués Moreira um dia teve um sonho. Mais que isso, uma vontade: a de coleccionar brinquedos. Aos 14 anos começou a empreitada ajudado que era por um avô que todas as crianças gostariam de ter.
Para esse ancião, a prioridade de uma criança era o divertimento, devendo a escola ficar para segundo plano. As estratégias de boicote aos estudos eram inúmeras, desde interromper as aulas e “arrancar” os netos da classe até ao “suborno”... imagine-se oferecer prendas quando algum dos seus descendentes reprovava o ano. Se houvesse muitos avôs destes por aí, a taxa de insucesso escolar aumentaria consideravelmente.
Mas neste caso o que aumentou foi mesmo a colecção de brinquedos que, depois de mais de 50 anos de recolha pelo neto João Arbués Moreira, ultrapassa hoje o impressionante número de 40 mil. A maior colecção do género em Portugal motivou o nascimento de um novo museu em Sintra, domiciliado em edifício que já foi quartel de bombeiros mas que hoje conta várias histórias dos objectos que materializam os sonhos de infância, dos mais ingénuos aos verdadeiramente bélicos.
Jogos de guerra
Todos diferentes, todos iguais, ou talvez não, afinal estas coisas não são tão inocentes como parecem. Os soldadinhos de fabrico alemão que tão inofensivo aspecto visual produzem, são afinal um poço terrível de surpresas. A propaganda nazi via nos joguetes infantis uma forma de propagação dos seus ideais na preparação do Holocausto. As instruções incitavam à inimizade com os judeus ao mesmo tempo que ensinavam como se preparava num pequeno balde uma mistura que foi utilizada nas câmaras de gás. Uma combinação explosiva, sem dúvida. Jogos que ensinavam o código morse era outro exemplo de familiarização com a temática da guerra.
Se olhar com atenção encontra noutra parada militar caras tão conhecidas dos livros de História como Napoleão ou Robespierre. São vários os países representados e as épocas muito distintas. Num outro conjunto a ideologia é a mesma. Figuras da Legião, da Brigada Nacional e da Mocidade Portuguesa do Estado Novo, com o carimbo Made in Germany. Daqui já temos uma pista. A Alemanha como o grande gigante da indústria europeia da brincadeira. Seria essa uma das razões para que a Embaixada alemã em Lisboa desse figuras militares às crianças antes e depois da Segunda Grande Guerra. O que pensa disto?
Sobre rodas
A mostra espalha-se por três andares carregadinhos de sugestões para a malta mais nova, afinal este público é exigente. O capítulo dos transportes é um dos mais extensos. Barcos, gosta? Com o uso para que foram concebidos acabam por enferrujar, é um facto, embora algumas instruções atestem que o engenho esteja preparado para a travessia de qualquer lago da Europa.
Sabe o que são penny toys? De Inglaterra veio a expressão no início do século XX. São brinquedos tão simples como os vulgares carrinhos que assim ficaram conhecidos por apenas custarem um penny. Noutros casos, a minúcia é tanta que os automóveis obedecem a uma representação perfeita dos modelos originais para adulto conduzir. É o caso dos chamados “jouet Citroën”, reproduções fiéis da marca do início do século passado. Muito sucesso junto das crianças que ali vão faz o carocha de pedais, atracção promocional fabricada pela marca ou a Vespa para a miudagem se sentir grande.
A diferenciação surge ainda noutras formas. Há automóveis com iluminação interior, outros com passageiros já sentados e mercadoria como uma furgoneta da polícia de Nova Iorque do tempo da Lei Seca. Numa mostra de carros portugueses, por exemplo, a cor de alguns modelos nunca antes fora vista em carrinhos de brincar já que as tonalidades advinham de restos de tinta das fábricas. Pobrezinhos mas alegrinhos.
Paula Oliveira Silva 2004-01-13