Lisboa por autocarros nunca antes navegados
Conhecer Lisboa num veículo anfíbio, por terra e rio, com um splash e salpicos à mistura, é a proposta do roteiro turístico mais singular da cidade: o Hippotrip. Durante hora e meia este autocarro com casco (ou será barco com rodas?) promete dar a conhecer a capital de uma nova perspetiva, entre histórias divertidas e gritos de guerra. Hippo, hippo, hurray!
Se os velhos do Restelo vissem o autocarro da Hippotrip haveriam de exclamar em uníssono: Im-po-ssí-vel! Frank Alvarez, um luso-canadiano que já tinha experimentado o conceito em Boston (E.U.A) encarregou-se de provar o contrário. Mesmo assim teve de resistir à desconfiança de alguns e à burocracia de muitos (gabinetes) para levar o projeto a bom porto.
Cinquenta e três meses depois (em maio de 2013) e já com as mais de 100 licenças necessárias na mão, o primeiro anfíbio turístico de Portugal fez-se finalmente à estrada e, claro … ao rio. Chama-se Lola, mede 11 metros, leva 37 passageiros e já tem um namorado a caminho: o Chico.
Tecnicamente é mais correto dizer que se trata de um barco com rodas (ao chassis e motor de um camião juntou-se um casco especial) mas em terra parece uma espécie de autocarro blindado com cores alegres e um toque tunning. Uma coisa é certa: onde quer que esteja nunca passa indiferente e ele próprio tornou-se uma atração, quase tão fotografada com os monumentos que dá a conhecer. Em Lisboa não há outro sightseeing como este.
Lisboa é divertida
A viagem começa na Doca de Santo Amaro, em Alcântara (junto à Associação Naval de Lisboa) mas, para já, o rio pode esperar. Primeiro, a Lola irá fazer-se à estrada e percorrer alguns dos principais pontos turísticos da capital. Rapidamente se percebe que o Hippotrip não é só um roteiro turístico, mas um espetáculo bemhumorado que, por vezes, faz lembrar a peça As Obras Completas de William Shakespeare em 97 Minutos. Recorda-se daquelas partes em que os atores se metem com alguém do público? Aqui acontece o mesmo mas em versão mais leve.
Pelo caminho o guia Pedro Silva vai contando algumas histórias sobre a capital (umas mais verídicas que outras), sempre intervaladas pelo grito de guerra ”hippo hippo hurray!” Por exemplo, sabia que a estátua da Praça D. Afonso V (Rossio) pode não ser do rei português com o mesmo nome mas do imperador Maximiliano do México? E que a principal atração do Jardim da Estrela no século XIX era um leão enjaulado? E já agora, em que casa de Belém “nasceu” o Benfica?
Depois de uma hora no asfalto, com passagem pelo Museu da Eletricidade, Cais do Sodré, Praça do Comércio, Rossio, Marquês de Pombal, Estrela e Mosteiro dos Jerónimos (entre outros locais) é chegado o momento mais aguardado da viagem. A Torre de Belém está mesmo ali ao lado mas, por instantes, as máquinas fotográficas dos turistas viram-se para a Lola que, formosa e segura, desce a rampa da Doca de Belém e… mergulha no Tejo!
No balanço do rio
A entrada na água acontece ao som da banda sonora do filme 2001 Odisseia no Espaço, tornando o “splash” ainda mais épico. O momento é tão rápido que nem há tempo para receios mas a Hippotrip garante segurança total graças à denominada flutuação positiva (dois compartimentos de espuma, entre outros equipamentos) que a tornam “virtualmente inafundável”.
Por esta altura já o motorista Pedro Fortuna passou a capitão Pedro (tem direito a chapéu e tudo) navegando em direção à foz do Tejo, com passagem junto à Torre de Belém e à Fundação Champalimaud. A cidade, vista de uma perspetiva diferente, parece ganhar outros contornos e logo nos lembramos da história que o guia contou no início do passeio. Reza a lenda que deusa Ofiúsa, metade mulher/metade serpente, bateu enfurecidamente com a cauda no antigo planalto do Tejo, criando as sete colinas da antiga Olíssipo, hoje Lisboa. A culpa foi de Ulisses que (dizem as más línguas) a trocou por outra e regressou a Troia.
A nossa viagem é bem mais tranquila. Do suave balanço do anfíbio chegam apenas alguns salpicos e (pela primeira vez) alguns silêncios. O momento é de contemplação. O tempo passou a correr e, depois de meia hora no rio, voltamos a terra firme junto à Torre VTS, no Passeio Marítimo de Algés. O guia explica que este edifício inclinado serve para controlar o trafego marítimo do estuário do Tejo e que todos os dias são monitorizados mais de 2 mil navios. Consegue adivinhar qual é o mais invulgar, multifacetado e divertido de todos? A Lola, pois claro!
Nelson Jerónimo Rodrigues 2014-05-07