Do pouco se faz muito
No Alentejo é uma sopa, simples mas saborosa e nutritiva, no resto do país é uma pasta de pão com marisco ou outros aditivos. Eis, em duas palavras, essa originalidade lusa, a açorda.
A culinária diferencia-se da aritmética porque o todo pode ser maior que a soma das partes. Assim sucede com a açorda alentejana. Tudo enumerado parece pouco: água a ferver, azeite, sal, ervas, pão duro, um ovo, alho... Mas deitado na panela e tratado pelas mãos de quem saiba é um deslumbramento: comida de pobre que vai à mesa do rico.
A simplicidade é aparente. Na água do caldo pode, antes, ter cozido uma posta de bacalhau. E, a acompanhar ou substituir os ovos, podem aparecer mais ingedientes: uma posta de peixe, pimentos, sardinha, etc. É tudo uma questão de época do ano, estado da despensa e inspiração.
Convém fazer uma destrinça geográfica. O que no resto do país se chama açorda, ou seja uma massa feita de pão duro, condimentada e enriquecida pelas mais diversas coisas, a começar por marisco, no Alentejo tem a designação de migas.
CURIOSIDADES
Elevada a património – Inseparável do Alentejo e das suas tradições, a açorda começa a ser vista como uma parte do rico património cultural e etnográfico da região. Exemplo disso são os Congressos da Açorda, levados a cabo, nos últimos anos, pela Câmara Municipal de Portel. Durante um fim-de-semana fala-se sobre a açorda e a sua história e, sobretudo, prova-se, tanto no local do evento, como em todos os restaurantes da vila.
Perdida na história – Há quem associe a açorda à presença árabe na Península Ibérica e por esta via estabeleça a antiguidade das sopas de pão. Garantido é que Gil Vicente faz uma referência a este prato na Farsa dos Almocreves: “Tendes uma voz tão gorda/ que parece alifante/ depois de farto de açorda”. Nos anos 40, altura em que surgem as Pousadas de Portugal, passa a ser integrada na ementa alguma componente regional, incluindo a açorda, ou não tivesse a primeira pousada aberto em Elvas. Por essa altura Albino Forjaz de Sampaio publica um livro onde diz que a açorda ajudou a dar força às hostes lusas que expulsaram a moirama...
Referência arqueológica – Os antepassados dos actuais alentejanos já comiam açorda? Uma achega curiosa é dada no livro «Cozinha Alentejana» de Alfredo Saramago e Manuel Fialho. «O pão, feito de trigo, com uma farinha grosseiramente peneirada, cheia de farelo, não diferia muito do pão de trigo, chamado escuro ou de segunda, que ainda há poucos anos era consumido em todas as terras do Alentejo. Foi numa anta do concelho de Reguengos de Monsaraz que se recolheram restos de comida juntamente com restos de menta pulegium, mais prosaicamente, poejos, velha erva companheira de açordas e outros cozinhados que nos assiste há mais de três milénios».
INFORMAÇÕES
Livro Cozinha Alentejana de Alfredo Saramago e Manuel Fialho.
http://amesadeluz.blogspot.com/2009/03/historia-de-um-alentejo.html
Congresso das Açordas (realizaram-se três edições desde 2007)
Ver Câmara Municipal de Portel
www.cm-portel.pt