EXPERIÊNCIA #94 - Tripas

À moda do Porto

«Se todas as terras do mundo tinham o seu cartaz gustativo (...) o Porto tinha dois. Um grosso, terroso, sujo como a trivialidade da natureza – as tripas. Outro, subtil, etéreo (...) – o vinho fino». Miguel Torga

No resto do país chama-se dobrada. Mas no Porto, burgo tão invicto como teimoso, o nome tinha que ser outro: tripas. Faz algum sentido, numa cidade cujas casas são protegidas do estroncamento graças a aloquetes, sabiamente colocados nas portas. Na cozinha, em vez de frigideiras para o refogado há sertãs para o estrugido. Se estas queimarem o fundo, não há outro remédio senão chamar um picheleiro. E o maior terror deste oficial é, ao subir o passeio, poder tropeçar num bueiro e esbarrar-se.
Grande, original e divertido Porto, que até faz das tripas coração, quando é preciso! Tê-lo-á sido no tempo de D. João I, quando foi preciso abastecer a Armada de Ceuta e não sobrou outra coisa nos mercados senão as entranhas dos animais. É patriótico, como lenda mas os antropólogos são prudentes e invocam, a propósito das tripas, antigas tradições alimentares dos suevos e outros povos que se fixaram na Península. E que sedimentaram, séculos depois, neste prato magnífico que, vá-se lá saber porquê, parece dobrada mas sabe ainda melhor, sobretudo se comido num tasco de Campanhã ou de Cedofeita.

CURIOSIDADES

Composição – Manda a tradição que as tripas de vitela sejam lavadas e esfregadas com sal e limão, antes de serem postas a cozer com água e sal. Quando, finalmente, chegam à travessa, é em boa companhia: mão de vitela, chouriço de carne, orelheira, salpicão, toucinho entremeado e frango. À volta, feijão de manteiga, arroz branco, cenouras e cebola. Salsa, sal, pimenta preta, louro e banha ajudam a garantir o resultado final, sendo este apresentado, com rigor cenográfico, numa fumegante terrina de barro.
Originalidades – As almas, gastronomicamente sensíveis, que já terão dificuldade em conviver com a ideia de comer tripas, fugirão horrorizadas perante a descrição de outro prato típico, senão do Porto, pelo menos do Minho: as papas de sarrabulho. Aqui o ingrediente que faz a diferença é... o sangue da galinha.

Raízes checas – É verdade! Os checos comem um prato muito semelhante à dobrada, às vezes, até ao pequeno-almoço. Há alguma ligação ao Porto? Talvez, se pensarmos que os suevos dali originários e vindos para a Península Ibérica durante a desagregação do império romano tinham a tradição de aproveitar as vísceras dos animais para a alimentação. A ser assim, teríamos uma tradição tripeira muito mais antiga que a Conquista de Ceuta. De resto, ao longo dos séculos, não terão faltado tempos difíceis, durante os quais, à falta de bife do lombo, se cozinharam tripas.

INFORMAÇÕES

Onde comer tripas? Não é apenas uma questão de qualidade da cozinha mas de ambiente. Para apreciar este castiço prato portuense no devido contexto, porque não fazê-lo num tasco secular. É o caso da Flor dos Congregados, entre a Av. dos Aliados e a Rua do Bonjardim.
Travessa dos Congregados, 11
Tel. 222 002 822

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