EXPERIÊNCIA #88 - Sericaia

De além-mar para o Alentejo

Um doce com origens controversas mas que tem indiscutíveis tradições no Alentejo, donde terá irradiado para o resto do país.

Se Rómulo e Remo, lendários fundadores de Roma, tomaram o leite materno de uma loba, porque não hão-de os cozinheiros alentejanos ter ido beber a inspiração do sericaia à Índia? Um doce que figura em lugar de honra nas ementas dos restaurantes de norte a sul só pode ter uma origem ilustre.
Menos açucarado (menos enjoativo, dirão alguns) que outros expoentes da doçaria conventual, dos papos-de-anjo à barriga de freira ou ao toucinho do céu, tem uma cobertura de canela a esconder um interior, à evidência, feito com gemas de ovos. Nalgums versões apresenta-se misturado com as ameixas de Elvas. Há quem prefira assim ou quem ache o acrescento uma subversão da pureza original da receita.
O que ninguém põe em causa é a costela alentejana desta sobremesa, herdeira do convento das Chagas de Vila Viçosa, dizem uns, do convento das Clarissas de Elvas, sustentam outros.

CURIOSIDADES

Nomes de bradar aos céus – De tanto ouvirmos repetir os nomes, às vezes nem atentamos no que lhes está associado. Não haverá qualquer coisa de perverso em associar um doce, particularmente saboroso, à barriga das freiras, seres destinados, não só à castidade, como a uma prudente distância doutros pecados, nomeadamente o da gula? E que dizer dos papos-de-anjo? É certo que as representações barrocas de querubins, serafins e outros seres alados incluem bochechas rechonchudas. Mas, teologicamente falando, serão doces? E se é voz corrente os anjos não terem costas e não haver certezas entre os sábios se têm sexo, ou não, como se pode garantir, em bom rigor, a consistência e sabor dos respectivos papos? Quanto ao toucinho do céu, deixa-nos a sonhar com a doçura do paraíso prometido. Agora, experimentem traduzir estes nomes para francês ou inglês e explicá-los aos turistas...

Da Índia ou do Alentejo? – Quem nunca acreditou nas origens indianas do sericaia foi o antropólogo e estudioso da gastronomia portuguesa Alfredo Saramago, recentemente desaparecido. «Deve ser fantasiosa a ideia de que a sericaia tem origem na Índia, de onde a receita teria sido trazida pelos navegadores portugueses. Compulsei livros de receitas indianos e não encontrei lá nada semelhante a este doce que, quando bem confeccionado, abre uns sulcos amarelíssimos de gemas de ovos, cor que constrasta com a da canela que cobre a sericaia».

INFORMAÇÕES

Se dos mil e um sítios onde se pode comer sericaia, houvesse que escolher um e um só, então a escolha iria para a Pousada de Santa Luzia, em Elvas. Um regresso, não só às origens da receita, como à própria génese das pousadas, hoje em evidente crise de identidade. Foi esta a primeira unidade da rede. Deve-se a António Ferro, no começo dos anos 40.
Sobre a origem do nome:
http://maltamiuda.blogspot.com/2007/05/receita-da-sericaia.html 

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