Doce de toda a parte
Por vezes chamado bolo esponjoso tem como ingredientes ovos, açúcar e farinha de trigo. A capa exterior, acastanhada, esconde um interior liquefeito e doce.
José Saramago fez o seu alter ego, o viajante, percorrer Portugal, à procura do país profundo. Raul Proença esgotou a sua energia a tentar retratar o património e as raízes de um país saído da monarquia e ainda mal entrado na revolução industrial. Porque não dar a volta Portugal à procura desse outro mistério: um bolo que parece ser de todos os tempos e todos os lugares, o pão-de-ló?
Não há terra que se preze que não reivindique a paternidade da receita. Felgueiras, com a variante margaridense, vendida no Porto, na saudosa casa, agora desaparecida da Travessa de Cedofeita. Arouca não se contenta com a vitela e acrescenta-lhe esta sobremesa, localmente produzida. À beira do oceano, Ovar também tem algo a dizer e, sobretudo, a apresentar, em defesa dos seus pergaminhos. E ainda falta falar de Alfeizerão, entre as Caldas da Rainha e Alcobaça, com receita própria e genealogia que remonta aos monges de Cister.
Ficou alguém esquecido? Pois que se dê a conhecer, submetendo a escrutínio a sua produção e. sobretudo, juntando à demanda sólidas provas físicas para a merecida apreciação.
CURIOSIDADES
Bolo cosmopolita – Os primeiros portugueses no Japão, no século XVI, popularizaram a receita do pão-de-ló, também chamado pão de Castela. Uma variante, transformada ao longo dos séculos, tornou-se num doce típico nipónico, o «kasutera», provável corruptela de «castela». Já em Itália, há um bolo semelhante que se chama «pan di Spagna». No mundo anglo-saxónico de Inglaterra aos Estados Unidos da América, há, dentro do género, o «sponge cake».
Origens diversas – Em Ovar, a paternidade do pão-de-ló é atribuída aos conventos locais, tendo a receita, de uma forma ou doutra, passado para fora dos muros. Em Felgueiras, a «mãe» do bolo é uma mítica Maria Clara que o fazia e vendia por alturas de 1830. Já em Alfeizerão, não renegando a ligação monacal, conta-se uma história mais recente: durante uma visita do rei D. Carlos (o que já nos coloca em princípios do século XX) uma cozinheira local terá feito um bolo para oferecer ao monarca. Com os nervos, a receita não foi seguida à risca e o interior ficou mal cozido e liquefeito. Foi uma real coincidência porque, ao que parece, toda a comitiva aplaudiu o resultado final. Que passou à posteridade...
Oferecido aos padres – A provar a antiguidade da tradição do pão-de-ló em Ovar este facto curioso. Refere-se na obra "Os Passos", do padre Manoel de Oliveira Lírio: «Em 1781, são obsequiados com Pães de Ló de Ovar os Padres que levaram o andor na procissão dos Passos.»