Esplêndido caos

Na semana dedicada ao Dia da Língua Materna (21 de fevereiro) contamos com a participação especial da Costureira de Palavras como blogue convidado. Sabia que o português é a segunda língua mais optimista das 10 mais faladas no mundo? 

«Não é preciso que a realidade exista / para acreditarmos nela.» É, no entanto, acreditando que lhe concedemos a existência. Quando aprendemos a primeira palavra, fazemo-lo movidos pela profunda crença no seu poder gerador: «Se digo árvore a árvore em mim respira.» 2 Assim a realidade começa a respirar em nós. «E nomeou a pedra a flor a água / E tudo emergiu porque ele disse» 3.

Uma mão cheia de léxico e eis que «aumentámos a vida com palavras» 4, «as palavras caem no vazio, como se nunca tivessem / sido pensadas.» 5 «E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos» 10.A minha mãe é um poço de petróleo nas minhas palavras. E das minhas palavras tudo emerge.

«Para poder com isto e não morrer de espanto – as palavras, palavras.» 10 «Elas são a casa, o sal da língua.» 11 Uma vez tomado o gosto, «quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe» 6, «se uma palavra toca noutra ou mesmo sem tocar / lhe queda próxima» 7. A minha língua materna é um esplêndido caos.

Hoje já «conheço as palavras pelo dorso» 8. «Sim, porque a orthographia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida.»A palavra é completa cheirada, tocada, saboreada. Abraçada.

Cantam os Clã que «a língua inglesa fica sempre bem / e nunca atraiçoa ninguém», mas retorquem os estudiosos da matéria que o português é a segunda língua mais optimista das 10 mais faladas no mundo. O optimismo fica sempre bem. António Lobo Antunes queixava-se, há tempos, do vocabulário íntimo de uma ex-namorada norueguesa: «Era uma coisa horrorosa e eu tinha saudades de Portugal porque ao menos gemem na minha língua.» Gemidos optimistas ficam sempre bem.

«Minha Pátria é a língua portuguesa». Minha mãe é a língua portuguesa, petróleo do poço das minhas palavras, um esplêndido caos em desacordo com acordos e de acordo com a realidade que respira em mim. Palavra.


1. Pedro Mexia

2. António Ramos Rosa

3. Sophia de Mello Breyner Andresen

4. Natália Correia

5. Nuno Júdice

6. Adélia Prado

7. Júlio Pomar

8. Ruy Belo

9. Fernando Pessoa

10. Herberto Helder

11. Eugénio de Andrade

 

A autora e o blogue
Marta, a costureira de palavras, apresenta-se como “a versão feminina de Cyrano de Bergerac, menos trágica e um pouco menos nariguda”. Editora de conteúdos em diversas plataformas, é no blogue que vai partilhando os seus trabalhos e inspirações (sempre que as palavras não são secretas).
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por Costureira de Palavras 2015-02-18

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