Quem está de passeio pela vila pouco se importará se a neblina e o vento da manhã teimosamente decidem prolongar a sua permanência pela tarde. De Verão será bem pior para banhos, mas como diz José Hermano Saraiva, “A Ericeira não tem banhistas, tem devotos.” Por isso conhecer a vila ainda para mais de Inverno, não significa apenas ficar pelas praias, ainda que muita gente cá venha com esse intuito. Passear pela costa, sim, para ver o mar picado e sentir a força deste oceano. Mas depois seguir sempre a pé pelo centro da vila que é pequena e convida a tal.
Sob o domínio dos pescadores
Embora os nomes não sejam dos mais originais que tem a costa portuguesa, três praias pedem visita: a do Sul, a do Norte e a dos Pescadores. Nesta última, não aconselhada a banhistas nem mesmo no Verão, observa-se a lida dos que do mar retiram sustento. Os barcos são elementos integrantes da paisagem pitoresca. Noutros tempos integrada no Porto da Ericeira, chegou a ter alfândega. Mas não foi essa a razão que a colocou nos autos da História. Daqui partiu a família real para o exílio, aquando da implantação da República em 1910. Ao que parece o povo assistiu em silêncio. Quis a vontade dos homens que a praia mudasse de configuração algumas vezes. O muro de 40 metros de altura que ali foi levantado, baptizaram-no as gentes de "Assembleia do Povo" porque é ali, mais do que noutro sítio qualquer que se reúnem os habitantes da vila. Daqui vê-se o que resta do pontão. Os pescadores insurgiram-se contra a construção, mas as suas vontades de nada valeram e o que hoje se vê é um aglomerado de cimento partido, nada resistente às vagas de Inverno. O farol que aí existia, engoliu-o o mar há cerca de 15 anos.
De norte a sul
No extremo sul da vila situa-se a praia mais abrigada da Ericeira, a do Sul ou da Baleia, porque aí deu à costa há mais de 130 anos, um mamífero desses. Zona de casas apalaçadas, já o norte é domínio do popular, das correntezas sem planeamento, das habitações pequenas e humildes pintadas de branco e enfeitadas com a tradicional faixa azul forte. É também a norte que se situa a praia mais temperamental da Ericeira. Deve ser essa a razão para aqui ter sido construída a Ermida de São Sebastião cujo interior revestido a azulejo é uma preciosidade. Ao que parece, nem o santo consegue interceder junto das forças da Natureza. Em dias limpos, do alto da arriba, consegue ver-se a serra de Sintra.
Paula Oliveira Silva 2003-03-31