É a pronúncia do Norte. Os tontos chamam-lhe torpe...

Na semana dedicada ao Gerês, Polo Norte, do blogue Quadripolaridades, fala-nos das suas raízes minhotas. Profundas, sentidas, vividas, com o eco da voz da avó Ana em fundo. Ou "Iana", como se diz por lá. É a segunda crónica desta autora no Lifecooler.

A minha família [materna] é do Minho. Eu sou Minho, a minha alma é verde-Gerês, a minha energia é rica como os mexidos, a minha alegria é folclórica e a minha personalidade é exuberante como os altares barrocos e as cores da procissão da senhora da Agonia. Eu sou Minho.

Rumo ao Norte sempre como quem regressa a casa. À terra. Ao Minho. Ao meu Minho. Àquelas expressões da minha avó ["estou barada, filha, estou barada!"], a pronúncia que é música, acordeão e realejo, cantigas à desgarrada. Uma alegria na voz mesmo com o luto no corpo, um entusiasmo nos olhos mesmo com a dor na alma. As mulheres do Minho são assim, têm a alma vestida de mangas arregaçadas.

Rumo ao Minho e o Minho não é homem, o Minho é mulher, estrogéneo, duplo cromossoma X, o Minho é uma menina, nunca senhora, menina até morrer, de cabelos negros-Norte, sardas a salpicarem a pele alva, sorriso de menina, fácil e descomplicado, luminoso como os brincos de princesa, as flores ou os de ouro, tanto me faz.

O Minho é uma cozinha com pão de milho quente de lenha, chouriças de cebola no fumeiro, lugar central da casa, quarto de estar de mulheres que esperam os seus homens, de boina, ao fim do dia, num regresso a casa, à família, símbolo mais forte do Minho, terra de afectos.

Regresso ao Minho e regresso sempre à frescura do verde dos campos, ao entusiasmo das gentes da lavoura, à luz do dourado do milho pronto a ser debulhado, à alegria da dança do vira, ao esplendor dos xailes vianenses, à altivez das vozes esganiçadas.

Voltar ao Minho é voltar a mim, às minhas raízes, à educação que me deram, andar apressado e sorriso aberto a quem passa, como uma mesa que se põe cheia de comida e se oferece indiscriminadamente a quem chega [e a voz da minha avó: "Cuoma quálquer coisinha , hóme!] como só o sabem fazer as mulheres do Minho, expressivas e extrovertidas, com um bocadinho de música na voz, ritmada como os cavaquinhos. Que nunca a percam. [Que eu nunca a perca.]

Regressar ao Minho é, sempre, regressar ao princípio do Mundo, a casa, às raízes e ao chão, às uvas antes do vinho, vinho tinto, vinho verde, mas não tão verde como os olhos verdes da minha avó, raInha de mim.

Regressar ao Minho é deixar-me estar, absorvendo aqueles risos norteados, os olhares de mulher furacão, aquele sentir a família feminina, família Sibila (Agustina sabe-o!), a voz da minha avó, sempre a voz da minha avó, as expressões maravilhosas, o linguarejar, as mangas arregaçadas, a energia do Minho. Não apenas do Norte. Do Minho. Só do Minho.

Do Minho da minha avó, presente na sua voz rouca dela, nos ditados populares que decorei todos, todinhos, para um dia poder vir a ensinar à minha filha. Do Minho da minha avó ("a rapariga mais bonita lá da freguesia" jurava a pés juntos o meu avô), sempre de mangueira em punho para lavar o quintal e regar as flores ["porque a água lava tudo, menos as más línguas"]. Do Minho da minha avó e da sua gargalhada fácil e do facto de ter sido "Menina Ana" para sempre, como se o ser menina fosse um estatuto que se adquire e a idade não interessa nada.

Do Minho da minha avó Ana, Ana como a minha filha, nome de menina, nome de mulher, de mãe e de avó. Nome das mulheres da minha vida. Ou "Iana", porque o Minho me correrá sempre nas veias.

Chamo-a em pensamento ["Vó?"] e oiço-a, juro que a ouço [ "Ouuuu?"}.

Regresso ao Minho hoje, sempre, porque o Minho [também] sou eu.

 

A autora e o blogue
Da Pólo Norte sabe-se que é psicóloga, vive em Cascais, é casada com Mámen e tem uma filha Ana, com 1 ano. Em 2008 fundou o blogue Quadripolaridades que alimenta diariamente com posts acutilantes e cheios de humor. É conhecida na blogosfera por dizer (quase) tudo o que lhe vem à cabeça. Mantém ainda o blog MãeGyver, onde relata os seus "conhecimentos de maternidade na ótica do utilizador".
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Textos anteriores desta autora no Lifecooler:

Descias o Douro e eu fui esperar-te ao Tejo

2014-07-10

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