DOÇARIA

Douro Litoral - Roteiro de Sabores

Como sucedia um pouco por todo o país, a grande maioria da população não tinha possibilidade de confeccionar os ricos doces conventuais. A quantidade de ovos, açúcar e outros ingredientes como a amêndoa e os frutos cristalizados não estavam ao alcance da sua bolsa. Tal não impedia a existência de doces, naturalmente mais simples e pobres, e mesmo assim regra geral só em dias de festa. Uma dessas sobremesas era a chamada Sopa seca doce, presença habitual, por exemplo, no fim das vindimas, no dia de Finados e no Carnaval. Tomavam-se umas fatias de pão de trigo, embebia-se em água quente ou chá, polvilhava-se com um pouco de açúcar e canela, às vezes enriquecia-se com mel e vinho de Porto e, tudo bem acamado, ia ao forno a tostar. Com pequenas variações de terra para terra, era uma das sobremesas mais apetecidas. Nos casamentos rurais e nas festas das vindimas fazia-se uma sopa mais rica, sendo a água ou o chá substituídos por caldo de cozer carnes, as quais eram depois aproveitadas para outros pratos. No dia da matança era costume servir-se, bem quente e logo a seguir aos rojões, sarrabulho doce, feito com o sangue de porco cozido, nozes, passas e mel. O arroz doce e a aletria eram, e continuam ser, uma das sobremesas preferidas das gentes do Douro Litoral, gosto que partilham com todo o norte do país.

Os pães doces são também uma presença da doçaria popular. Devem ser preparados com alguma antecedência, dado serem feitos com massa lêveda, de pão. Entre os mais conhecidos estão o pão de S. Bernardo de Arouca (vulgarizado com o nome de bola de açúcar e de origem conventual), o pão podre (Penafiel, Porto), os velhotes da braguesa (habitual na festa do Senhor dos Aflitos, em Valadares) e as regueifas.

 Outros doces comuns são os chamados bolos de feira, muitas vezes cobertos por uma espessa camada de açúcar: bolinhos de amor, rosquilhos, cavacas, santo-antoninhos, macarrões (biscoitos compridos de Valongo). Tal como noutras regiões, também aqui se fazem bolinhos em forma de animais, sendo muito afamados os Bolos de S. Gonçalo (de Amarante), que os namorados trocavam entre si na festa deste santo casamenteiro, no dia 10 de Janeiro, bem como os que se vendem na romaria de S. Simão, em Penafiel que, segundo Leite Vasconcelos, eram de forma fálica e com nomes obscenos. Muito conhecidos, tanto no Douro como na Beira, são os biscoitos da Teixeira (concelho de Baião, no extremo leste do Douro Litoral) de tal modo que se diz de uma pessoa que aparece em todo o lado é como o biscoito da Teixeira, que por toda a parte aparece.

As sobremesas mais típicas do Douro Litoral são talvez o pão-de-ló e os doces feitos à base do mesmo. O pão-de-ló mais conhecido é o seco e alto, existindo dois com muita fama: o de Margaride e o de Freitas, ambos da zona entre Amarante e Felgueiras. Com ovos, açúcar e farinha fazem-se estes afamados pães. O autêntico pão-de-ló de Margaride é cozido em forma de barro não vidrado forrada com papel grosso (tipo cavalinho) e vai a forno de lenha. Usam-se três formas: uma leva a massa, a mais pequena coloca-se no centro virada ao contrário e com a terceira tapa-se tudo. Tradicionalmente acompanha-se com vinho do Porto ou usa-se como “pão” para o queijo da serra. O que sobra serve para confeccionar as deliciosas sopas douradas. À maneira das freiras de Santa Clara do Porto, das Clarissas de Vila do Conde ou do Convento do Vairão, a essência da receita é a mesma – fatias de pão-de-ló cobertas com uma gemada de amêndoa e canela, a que se pode juntar vinho do Porto, chila e cidrão. É de comer e chorar por mais!

Para além do pão-de-ló e das sopas douradas, os doces mais conhecidos da região do Douro Litoral são os de Amarante e de Vila do Conde, de origem conventual. Do mosteiro de Santa Clara de Amarante saíram as Lérias, os foguetes, os pingos de tocha, os papos de anjo, os amarantinos ou margaridas…. A sua doçura extrema e o aspecto atraente e singular deram-lhes justa fama que a confeitaria Casa das Lérias do célebre Alcino Reis ajudou a divulgar.

As clarissas de Vila do Conde deixaram-nos também um sem número de delícias: pequenas bolas de açúcar, gemas e amêndoa a que chamaram beijos de freira; meias-luas ou pastéis de Santa Clara, fritos e passados por açúcar; hóstias recheadas com massa de gemas e açúcar, alouradas no forno, conhecidas como Tolos; pequenas rodelas de gemas e açúcar, delicados doces do século XVII designados por Melindres. E tantos outros, com os quais rivalizavam os pescoços de freira, as tigeladas, o manjar branco banhado ou as Perronilhas do Mosteiro de Vairão (também em terras de Vila do Conde), o arroz doce e o manjar branco do mosteiro de Santa Clara do Porto, as trouxas de ovos e os ovos em fio do mosteiro de S. Bento do Porto, os pudins (de cabaço e de laranja) do convento de Santo Tirso e o aveludado manjar de língua do convento de Arouca. Neste convento, localizado já em terras que alguns consideram pertencentes à Beira Litoral e outros à Beira Alta, faziam-se também umas celebradas morcelas doces, com amêndoa, mel e canela, tendo a certa altura recebido o nome de Melícias, provavelmente em honra de uma antiga abadessa chamada D. Melícia. Comum a todas estas casas conventuais, o toucinho do céu, aqui com chila e cenoura cozida (Amarante), ali com doce de cabaço (Porto), mas sempre com açúcar, gemas e amêndoa.

A doçaria tradicional completa-se com as rabanadas (de água, leite, ou vinho) e os mexidos, comuns às festas natalícias do Norte do País. À moda do Douro Litoral, as rabanadas são embebidas numa mistura de vinho do Porto com água e açúcar, antes de serem passadas por ovo, fritas e, no fim, cobertas com calda quente de açúcar. Também lhes chamam fatias douradas ou fatias de parida. E porque estamos em terras de confluência de vários vinhos, nada melhor do que terminar com um vinho quente, à maneira de Vila do Conde – onde se serve com os fritos de Natal, depois da missa do galo – que alia magistralmente ovos, vinho verde tinto, vinho moscatel e vinho do porto. Serve-se bem quente, em chávenas, com bocadinhos de pão fazendo sopas.

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