O orgulho de Saramago na terra natal é retribuído agora pela aldeia da Azinhaga com uma mão cheia de locais que lhe evocam as raízes. A estátua, a rua, a fundação, o museu e a biblioteca são pontos de visita incontornáveis mas talvez seja pelas margens do rio Almonda e pelos campos em redor que mais passeia a alma do escritor.
José Saramago contava apenas dois anos quando deixou Azinhaga, pequena povoação no concelho da Golegã que o próprio descreveu como uma “pobre e rústica aldeia, com a sua fronteira rumorosa de água e de verdes, com as suas casas baixas rodeadas pelo cinzento prateado dos olivais, umas vezes requeimada pelos ardores do Verão outras vezes transida pelas geadas assassinas do Inverno ou afogada pelas enchentes que lhe entravam pela porta dentro”.
No entanto, por essa altura já ele tinha “estendido gavinhas e raízes” na terra e a marca “indelével” que recebeu nos primeiros tempos de vida iria acentuar-se nos anos seguintes, Verão após Verão. Isto porque foi lá que passou todas as férias grandes até aos 15 anos, umas vezes com os pais e outras só na companhia dos avós maternos.
Durante essas longas temporadas o menino José gostava de brincar com os animais, nadar no Almonda e, sobretudo, aventurar-se pela imensa Natureza que rodeava a aldeia, sempre com os mesmos quatro destinos: “ou o rio, e a quase inextricável vegetação que lhe cobre e protege as margens, ou os olivais e os duros restolhos do trigo já ceifado, ou a densa mata de tramagueiras, faias, freixos e choupos que ladeia o Tejo, ou enfim, a uns cinco ou seis quilómetros da aldeia, o Paul do Boquilobo”, revela o autor no livro “As Pequenas Memórias”.
O paraíso de Saramago
É precisamente pela Reserva Natural do Paul do Boquilobo que começa o nosso percurso. Quem vem da Golegã (N 365) encontra o desvio para esta área protegida ainda antes de entrar na Azinhaga e dois acessos estreitos (M 570 e CM 1179) levam-nos até lá em menos de 15 minutos, mas com alguns buracos e um pouco de lama à mistura.
Saramago dizia tratar-se de “um lago, um pântano, uma alverca que o criador das paisagens se tinha esquecido de levar para o paraíso”, tal é a beleza e a tranquilidade do local. Verdadeiro santuário ecológico, é o único sítio em Portugal onde se reproduz o zarro comum (família dos patos) e o principal refúgio de outras espécies de aves, além de albergar também o mais importante garçal do nosso país.
Daqui seguimos então para a Azinhaga, que recebe os visitantes com uma placa à beira da estrada onde a povoação reivindica o estatuto de “aldeia mais portuguesa do Ribatejo”. O cognome vem do tempo em que o então Secretariado da Propaganda Nacional elegeu Monsanto como a aldeia mais portuguesa de Portugal, enquanto as restantes finalistas ganhavam na respectiva região. Depois do alarido do concurso a terra mergulhou de novo no anonimato, mas Saramago voltaria a colocá-la nas bocas do mundo várias décadas depois.
Nelson Jerónimo Rodrigues 2011-11-16