Confissões de um (ex-)enochato

Está a ver aquelas pessoas (supostamente) muito entendidas em vinhos que martirizam quem tem o azar de ficar ao lado delas num jantar? O André do blogue À Paisana assume que já foi um deles. Depois curou-se. Continua a beber, e a falar sobre isso, mas com moderação.

Muito antes de vermos adultos a discutir se o gin fica melhor com pétalas de rosa desidratadas ou bagas de zimbro, ou de conhecermos pessoas que comparam tons de cor de cervejas feitas em garagens, havia outro tipo de pessoa irritante relacionada com bebidas alcóolicas: o chato do vinho (ou, termo técnico - enochato).

Todos nós já encontrámos um destes exemplares. A primeira coisa que faz quando lhe põem um copo de vinho à frente é enfiar lá dentro o nariz e dar uma enorme snifadela para ver se tem aromas de casca de maçã ou se cheira à madeira do baú em que os pais o trancavam quando se portava mal em miúdo (o ser irritante começa cedo).

Sei bem o que é um enochato, porque - confesso - acho que já fui um. Aqui há dez anos fiquei obcecado com vinho. Além de ter passado a beber bastante mais, comecei a ler tudo o que encontrava sobre o assunto. Livros, revistas, guias. Andei em fóruns da Internet onde encontrei das pessoas mais conflituosas que tenho visto na web (a minha explicação - estávamos sempre todos bêbados).

Uma vez, em viagem entre duas das cidades mais bonitas de Itália, Florença e Siena, consegui convencer a minha mulher a passar uma noite no pouco interessante vilarejo de Greve, no coração de Chianti onde havia uma loja onde era possível provar dezenas de vinhos a copo de toda a Itália. Parecia um miúdo num parque da Disney. Isto se os miúdos andassem a cambalear de sorriso estúpido e gengivas roxas pelos parques Disney (espero que não).

Hoje em dia estou mais calmo. Já não dou sermões sobre a temperatura a que se deve servir o vinho, já não levo os meus copos especiais quando vou de férias, nem reviro os olhos quando alguém pede o “vinho da casa”. Uma das razões foi ter percebido que na verdade continuo a ser um ignorante, e que há imensa gente que percebe mais de vinho do que eu - deixo as lições para essas pessoas.

A outra foi a descoberta que a unicidade do vinho não está nos equilíbrios entre taninos, acidez e álcool (embora ajude), mas sim na sua imprevisibilidade. E no contexto em que é bebido. Cada região, cada ano, cada colheita traz uma história. Pode ser uma tragédia, uma historieta ou um grande romance. Não interessa. Num mundo em que já sabemos ao que vão saber 90% das bebidas que abrimos, é bom saber que ainda há espaço para a natureza (mesmo que com muita intervenção humana).

E não há nenhuma outra bebida que se compare à presença que o vinho tem numa mesa. Os vinhos são lembrados, são evocados, são testemunhas. É normal ouvirmos algo como “lembras-te quando me disseste que ias ser pai? Tínhamos aberto um Reserva Especial de 2001 incrível…”. Ninguém se lembra da coca-cola que bebeu no dia em que acabou a universidade. A não ser que tenha tido vinho à mistura (e não devem ser boas memórias).

O autor e o blogue
No início de 2013, poucos meses após o nascimento do seu primeiro filho, André Lapa lançou o blogue À Paisana. Desde a decisão de ser pai até aos “mexican reports” que vão dando conta da evolução do bebé (conhecido, vá-se lá saber porquê, como Mexicano), este é um blogue sobre a aventura de ser pai. Ou qualquer coisa do género. Update: o tempo passou, o André achou que precisava de mais ideias para escrever, e apareceu a «Xica». É verdade, o «Mexicano» já tem uma mana para o atazanar, e o André já devia saber no que se metia.
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André Lapa | À Paisana 2016-09-14

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