Chá português-suave

Do "Chá da Família", receita da avó para todas as dores, ao "melhor chá verde do mundo", Polo Norte, do blogue Quadripolaridades, diz que o chá tem esse poder especial de nos transportar para outros mundos. 

Na Casa Tagarela ali sobre a baía de Cascais a Dona Luz, filha de chineses, dominava a arte do chá como ninguém. Com o Sr. Gil, seu marido, aprimorara as receitas ocidentais, entre as quais os scones e as compotas. Sentia-me sempre muito importante quando me sentava nas cadeiras almofadadas, tocava na toalha branca sem um vinco e pegava com muita concentração nas chávenas de porcelana branca, loiça finíssima e alva, para bebericar o meu chá.

Eu teria uns onze anos, lembro-me bem, da primeira vez que lá fui e passei a olhar para o chá, não como um substituto de remédios quando estava doente, mas como um verdadeiro presente dos Deuses. Afinal, havia toda uma vida para além do famoso “Chá da Família”; uma amálgama de ervas que a minha avó me oferecia para todas as dores (de estômago, barriga, má disposição ou parasitas) e que, aparentemente, curava tudo. "Menos as más línguas"- acrescentava a minha avó.

Na adolescência ir à Garrett com a minha médica era outro lugar de culto. Entrávamos, descíamos os degraus, e bebíamos as duas enquanto punhamos conversa em dia. E eu sentia-me crescida e adulta, saída daquelas séries inglesas de época que via na televisão. O chá tem esse poder, acredito com muita convicção, de nos transportar para outros mundos.

Da primeira vez que fui a Londres rendi-me: comprei todos os sabores de chá de uma determinada marca, comprei uma chaleira elétrica lá para casa bules bonitos, li livros sobre chá e viciei-me em Lapsang SouChon, o chá que me sabe a Inverno e a lareira, a calor e afectos. Bebi-o cá inúmeras vezes, no Chá do Carmo, nas irmãs Vicentinas no Rato, na Casa Saudade em Sintra e até no Salão de Chá Luso-Japonês Castella do Paulo, um dos meus poisos preferidos e que vê os dias contados na capital (é lá ir antes que encerre, pois é mítico!).[já encerrado].

Era o meu chá favorito até ter visitado a Fábrica Gorreana, ali em S. Miguel, e me ter rendido ao melhor chá verde do mundo, açoriano e português suave. E é ali, num cantinho que a fábrica reservou aos visitantes, sem glamour nem toalhas de linho, sem loiça de porcelana fina nem rituais eruditos, com vista para as plantações de chá a perder de vista (desculpem o pleonasmo) que escolhi a minha casa de chá favorita no mundo, com o coração quente e ao longe (ainda) o cheiro a maresia e a estranheza da constatação que, afinal, tão bem combina com o cheiro do próprio chá. Português, pois então.

A autora e o blogue
Da Pólo Norte sabe-se que é psicóloga, vive em Cascais, é casada com Mámen e tem uma filha Ana, com 2 anos. Em 2008 fundou o blogue Quadripolaridades que alimenta diariamente com posts acutilantes e cheios de humor. É conhecida na blogosfera por dizer (quase) tudo o que lhe vem à cabeça. Mantém ainda o blog MãeGyver, onde relata os seus "conhecimentos de maternidade na ótica do utilizador".
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Polo Norte 2015-01-15

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