Cave
A cave mais parece uma autêntica cisterna medieval. Escura e húmida, toda ela foi cavada na rocha. Este é a primeira impressão que temos, até que os olhos se vão adaptando à luz para descobrirem que não se trata de uma rocha vulgar, mas sim de granito azul, uma verdadeira raridade.
Mas há mais surpresas; é que em vez das tradicionais pipas que provavelmente estaríamos à espera de ver, encontramos o espumante…em garrafas. Montanhas de garrafas, precisamente mais de um milhão e meio. Todas juntas, empilhadas e alinhadas, enchem os corredores formando autênticas paredes de vidro com mais de três metros de altura.
Andando por entre elas, não é nada difícil encontrar uma ou outra partida no meio das restantes, como se fosse algum favo vazio no meio da colmeia. Herlander Lourenço explica que "Algumas garrafas rebentam devido à pressão se o vidro não for muito resistente". Após três meses de fermentação na garrafa, o vinho espumante exerce uma pressão superior a sete quilos sobre o vidro. E quando o vidro da garrafa é mais fraco, puf… Também, em mais de um milhão de garrafas não é de estranhar. Todos os espumantes da Murganheira têm obrigatoriamente que passar pela cave para fermentarem. E se de uma Grande Reserva se tratar, este estágio prolonga-se por 10 anos.
Depois da cave, as garrafas são mudadas para outra sala onde repousam mais algumas semanas inclinadas, numa espécie de estante de madeira, para que os sedimentos escorram para baixo e se acumulem junto ao gargalo. A seguir, a cápsula é retirada e através de um processo industrial extrai-se o que não interessa, deixando apenas o precioso néctar, que é novamente engarrafado e finalmente rotulado. Pronta a consumir.
Copos e provas
Ao longo de uma hora de visita, descobre-se como é que se transformam milhares de litros de mosto fermentado em espumantes de alta qualidade. E nada melhor que comprovar in loco o sabor dos mesmos.
Na sala de provas onde a visita começou, é tempo de ser brindado com um cálice bruto, que borbulha cheio de vida no copo. Bebe-se e repete-se enquanto nos invade um pensamento filosófico de como a arte e o engenho do homem conseguem transformar a simples uva em produtos tão refinados.
Depois, também se pode comprar algumas garrafas, ou melhor, caixas. Recuerdo da Murganheira, para beber mais tarde.
O complexo
Alvo de uma restruturação, as caves da Murganheira já pouco têm a ver com as tradicionais caves, nas quais os robustos vindimos ficavam horas a fio a pisar a uva. Hoje, estas são espremidas por duas potentes prensas que chegam a exercer até quatro toneladas de pressão. O resultado deste apertão é o mosto, um liquido pastoso, que após vários processos de fermentação se transformava em vinho.
Hoje, também já não se usam mais pipas de carvalho para o efeito. Em vez destas, gigantescas cubas de alumínio controladas electronicamente, que conseguem fermentar em 25 dias cerca de 20 000 litros de vinho, o bastante para encher qualquer adega particular por uma vida.
Aqui, o ambiente é asséptico, tudo limpo e os empregados trajados de branco como se fossem enfermeiros de uma clínica. Modernices, sem dúvida, mas as medalhas exibidas na sala de provas, atestam que o espumante não perdeu qualidade apesar da tecnologia empregue.
E à volta
À volta das caves, estendem-se alguns hectares de uva branca por entre uma colina íngreme. Segundo Herlander Lourenço, estas são usadas apenas no fabrico dos vinhos espumantes. Para os vinhos de mesa, as uvas tintas provêm de várias cooperativas que existem entre Lamego e Ucanha. Com a particularidade de os espumantes mais saborosos, serem feitos de uvas tintas, que acabam por sofrer um processo de filtragem que lhes rouba a cor escurecida, mas não o sabor. Brindemos a isso.
N'Dalo Rocha 2002-02-19