Casa Garrett - Porto

Viagens pelos sabores da nossa terra

Na mesma rua onde nasceu Almeida Garrett petiscos e palavras evocam a memória e outras geografias do escritor portuense.

Quando entra na Casa Garrett, o gastropub, não o edifício onde nasceu o escritor mesmo ali ao pé, do outro lado da rua, no número 37, tem logo uma árdua tarefa a fazer. Decidir se apenas quer debicar as estrofes, picar uns sonetos ou atalhar caminho direto para as citações, aquilo a que chamam aos doces e outras marotices que deixam qualquer um a salivar mal chegam à mesa e se lê a descrição.

E é assim que os pratos e petiscos surgem agrupados na ementa preparada pelo chefe Alex Pereira que todos os dias recria novas viagens, com os ingredientes que encontra no mercado. De facto, a escolha pode ser um problema. Desde as entradas mais simples até aos sabores mais complexos, ou melhor contundentes, as obras primas como por ali designam as papas de sarrabulho e a morcela com ananás dos Açores e redução de vinho da Madeira, logo duas viagens diretas ao Minho e às ilhas.

Na ementa encontra iguarias para partilhar. Há torricados, de línguas de bacalhau e puré de grão, de alheira de caça ou de presunto bísaro com cogumelos pleurothus e queijo da ilha. Do Alentejo chega a inspiração para a cabeça de xara, mas aqui encontra também pedaços de outras proveniências na tábua de queijos, com doce e frutos secos e ervas aromáticas e a de enchidos. Nas referências vínicas inclui-se vinho branco, tinto e espumante da marca Almeida Garrett, produzido por descendentes do escritor nas beiras.

Experiência gastro-cultural

"Voltemos, voltemos a página, com efeito que é melhor, escreveu Garrett na obra Viagens na Minha Terra. Por agora, almocemos, que é tarde", lê-se mais à frente. E por isso, num sábado presenteado por um sol primaveril, experimentou-se logo a bifaninha francesinha de porco bísaro, uma reinterpretação de um dos ícones da gastronomia portuense.

Chega à mesa dentro de um tacho vermelho, banhada em molho espesso apurado, um prato a merecer uns talheres mais incisivos para facilitar o corte do pão estaladiço e evitar que os ingredientes fiquem descontrolados no tachinho inquieto. Entretanto, chega a morcela. Em cama de ananás salteado com aroma de vinho da Madeira, salpicado por sementes de cardamomo, uma mistura inusitada mas agradável ao paladar.

Também se provaram as três versões de hambúrguer em versão mini. E, não… nem tentem partilhar, a não ser que cada um dê uma dentada, sem direito a divisões democráticas. Há de salmão, com cebola roxa, agrião, molho de iogurte com funcho e limão, outro de frango panado com alheira de Mirandela, alface, maionese e cebolinho e o de carne barrosã, este definitivamente o mais pujante.

Pelo meio há para acompanhamento variações de batatas fritas: em palitos, em lascas ou na versão de batata-doce para recordar sabores algarvios. A acompanhar com aioli ou maionese com mostarda e mel. Falta dizer que entretanto chegaram à mesa pratos em ferro esmaltado branco, uma reminiscência de outros tempos, aqui e ali recordada pela louça e utensílios de cozinha que vão decorando a sala, onde não falta o S. João, peças de artesanato e flores.

Pelos caminhos de Portugal

A ementa, dizem, inspira-se nas tais viagens de Almeida Garrett. Pela lista soltam-se alguns sabores influenciados por outras regiões e produtos do país. A aguardente de medronho aparece tanto para assar o chouriço como para inebriar a musse de chocolate. O azeite, esse ouro dourado, ora banha um quadradinho de manteiga ora encharca as azeitonas britadas e decoradas com poejos.

Tudo ótimo para ensopar o pão, este bem escuro e macio, que chega à mesa num saco de pano de Viana bordado à mão, e que é um mimo onde se pode barrar o paté de tremoço, e se sente o sabor a cominhos. Antes de maiores aventuras pode descascar o ovo de codorniz pousado em sal grosso e mergulhar na tacinha de maionese que os vem a acompanhar. Há quem prefira ver a mesa pegar fogo com um chouriço de porco preto assado com medronho e alecrim.

Doce é gozar assim…

No final, não arrede mesmo pé antes da sobremesa. Da mousse de chocolate e tangerina aromatizada com café, medronho e polvilhada de frutos secos tostados, do gelado de ovos-moles, macio e suave, coberto de fios de ovos sobre areia de avelã e lascas de amêndoas ou a cavaca com sorvete de frutos vermelhos, um pedaço do doce tradicional de Resende, um bolo com cobertura de açúcar, numa versão bem refrescante. Estando aqui, não estranhe o eco das palavras de Garrett pois estas citações "não têm metro, nem rima – nem razão… mas, enfim, versos não são". Depois da conta, que lhe é entregue dentro de uma obra do escritor, espreite uns metros abaixo, a casa onde nasceu João Baptista de Almeida Garrett, a 4 de fevereiro de 1799. Um medalhão oval assinala o facto.

Um novo horário, a previsão de uma esplanada para aproveitar os dias quentes e novos sabores são a promessa desta casa onde não faltam propostas culturais como apresentações de livros, momentos musicais e até workshops de gastronomia. E pegando nas palavras de Garrett termino: "Isto pensava, isto escrevo; isto tinha na alma; (…), que doutro modo não sei escrever."

Andreia Fernandes Silva 2015-0318

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