Berlengas, ilhas desconhecidas

Quem é que já foi às Berlengas? O nome todos conhecem, a história das gaivotas e que é difícil lá chegar, também. Mas, andar pelas falésias escarpadas, de frente para o vento, ou atravessar as grutas maravilhosas, quem é que já fez isso?

Aqui, até um simples prego tem de vir do continente. Na ilha da Berlenga é tudo assim. Um colossal rochedo com 80 metros de altura que resiste teimosamente à erosão do tempo. Vista do barco que vem de Peniche, a paisagem árida não deixa ilusões. É mesmo agreste. As encostas são ventosas e escarpadas, a vegetação é escassa e os únicos animais que parecem existir são gaivotas. Assim que o barco aporta, começa a descoberta de uma terra inóspita. Só se anda a pé e em duas horas conhece-se praticamente a ilha toda. O porto, na enseada do Caramusteiro, é o único local que dá um cheirinho a civilização, com quartos para alugar, um restaurante, duas esplanadas e uma dezena de casas de pescadores. O resto é terra e vento. A 300 metros dali, estão vários socalcos terraplenados sem casas e árvores chamados parque de campismo. Aliás, árvores propriamente ditas, não há nenhuma em toda a ilha. E lá em baixo, a única praia onde é seguro tomar banho, com uma água calma e quase translúcida.

Para além das caminhadas, é obrigatório descobrir a ilha de barco. Existem detalhes únicos, como rochas enormes com formas de animais. A rocha da baleia é uma delas, mesmo ao lado da Fortaleza São João Baptista. Vista de lado, parece um autêntico cachalote. Mais a sul, a tromba de elefante. E por aí for a, com a ajuda da imaginação. Esculturas à parte, o melhor para conhecer são as grutas. Por debaixo da fortaleza, a gruta azul, que devido à orientação dos raios solares, reflecte a luz no fundo. E se puser a mão por dentro da água, fica azul. Mais adiante, o Furado Grande, a gruta mais impressionante da Berlenga. Atravessa a ilha de um lado ao outro num túnel natural de 70 metros de comprimento por mais de 20 de altura. Custa acreditar que é obra da natureza, mas é. Uma vez transposta a enorme cavidade chega-se a uma enseada onde está a Cova do Sonho e o Furado Pequeno, onde o barco não entra. Só a pé, quando a maré está baixa ou de cayake, que podem ser alugados no Caramusteiro. E se alugar um, experimente também a gruta da Flandres. Entra por um lado e sai por outro. Descubra uma caverna única, onde há 300 anos marinheiros, soldados e piratas procuraram abrigo. Quem sabe não encontra um dobrão de ouro? Na Berlenga existem dezenas de grutas para explorar e muitas delas submersas, só acessíveis pelo mergulho, que é outro dos encantos destas paragens.

A antiga fortaleza, construída no meio do mar, em cima de um rochedo, foi reconvertida em estalagem. É-se bem recebido, o preço é barato ainda que as condições sejam espartanas, do estilo tomar banho de jarrão. O sítio é excelente para quem procura paz, especialmente durante a semana quando não há quase ninguém. À meia noite, a vista da janela do quarto para o mar é linda, principalmente numa noite de lua cheia. No horizonte vê-se o Cabo Carvoeiro, e depois Peniche. Temos a sensação de que sempre nos identificámos com aquele local remoto. Nem mesmo o guinchar de uma gaivota parece perturbar um momento assim. Porém se uma noite de verão pode despertar sentimentos de melancolia, os invernos são impiedosos. As fortes correntes marinhas aceleradas pelos ventos ciclónicos criam vagas com mais de dez metros de altura que atiram toneladas de água para dentro do pátio. Estas varrem tudo o que apanham à frente. Nessas alturas, " o faroleiro telefona cá para baixo a perguntar se estamos vivos" conta Rui Gonçalves, responsável pela preservação do Forte. Nos piores dias, a velha ponte de pedra que liga a fortaleza à ilha fica submersa pelas águas do atlântico. Não há barco que consiga aportar e em períodos críticos e preciso gerir bem a despensa dos mantimentos.

N'Dalo Rocha 2001-07-11

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