As viagens de Saramago

Caminhos que se tornaram prosa

Dos passos de José Saramago pelo nosso país nasceu um livro onde o escritor transforma cada lugar ao virar da esquina numa nova história ao virar da página. Venha daí conhecer as terras, as paisagens e as gentes que, de norte a sul, inspiraram a obra Viagem a Portugal.

Publicada em 1981, teve o condão de tornar José Saramago num escritor profissional, com carta- branca para correr o país de lés-a-lés (seja “aonde se vai sempre” ou “aonde se vai quase nunca”) e retratá-lo com se estivesse a vê-lo pela primeira vez. “O autor não veio dar conselhos, embora sobreabunde em opinião”, lê-se logo nas primeiras páginas, mas a verdade é que passados 30 anos este livro ainda é uma autêntica “Bíblia” de viagem para muitos portugueses.

Do Douro de Miranda ao Doiro do Porto

A primeira das seis “rotas” relatadas por Saramago começa “no duro” Nordeste e vai até ao “dourado” Noroeste do país, com Miranda do Douro a servir de ponto de partida. Depois de admirar a imagem do Menino Jesus da Cartolinha o escritor continuou por terras de Trás-os-Montes e ainda bebeu um bagaço em Rio de Onor antes de surpreender-se na cidadela de Bragança com “os cinco lados desiguais, que uma criança não desenharia” da Domus Municipalis.

Da “Chaves das mil janelas e da torre impenetrável”, o viajante (como o autor se refere a si próprio no livro) seguiu para Vila Real e fez a inevitável paragem na Casa de Mateus, rumando depois para Peso da Régua, onde admirou os socalcos e a paz do Douro. Passou ainda por Amarante, “a formosa”, antes de conhecer Guimarães e imaginar-se na pele de D. Afonso Henriques junto ao castelo. As saudades do mar fizeram-no dar um salto no mapa até Matosinhos e daqui subiu ao alto Minho, onde conheceu quase tudo o que havia para ver. Só lhe escapou Ponte de Lima, que acabou por ficar para outras andanças.

Ainda por terras minhotas não se sabe se Saramago viu Braga por um canudo mas está escrito que palmeou quase todas as ruas do centro histórico e até foi aos santuários que coroam a cidade: “Ao Bom Jesus e ao Sameiro vai-se por devoção e por gosto. O viajante foi lá por gosto”, justificou este ateu confesso.
Já no Gerês a racionalidade deu lugar ao deslumbramento, que se prolongaria nos dias seguintes durante a estadia no Porto, “cidade inconfundível entre todas” e de “beleza grave”, “junta com um rio que chamam Doiro”.

Nelson Jerónimo Rodrigues 2011-11-16

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