Não é bem uma loja, mais justo é chamar-lhe ponto de encontro. Aqui vendem-se novelos de todas as cores e feitios e apetrechos de cuja existência nem suspeitamos, para ajudar na arte das agulhas. Mas é principalmente um local onde se partilham saberes, nas diversas oficinas que aqui se organizam, tanto para principiantes como para gente mais experimentada.
E se tricotássemos umas malhas sobre o assunto?
Descodificam-se sinais, criam-se mnemónicas divertidas e a obra nasce. Tricotar pode ser muito descontraído mas exige rigor e concentração, especialmente a quem está a dar os primeiros passos.
Foram duas décadas, mais coisa menos coisa, que andámos de costas voltadas para o tricô. E não foi coisa só nossa, ao que parece, que dos Estados Unidos à Austrália, com um sem-número de países pelo meio, aconteceu o mesmo. Joana Nossa, a dona da Ovelha Negra, já o sabia, mas os turistas que visitam a loja no centro do Porto vão reforçando a constatação.
Agora, de pazes feitas com as artes das agulhas, há muito quem procure saber o que nunca aprendeu, cortados os laços da transmissão desses saberes no ambiente doméstico. Ou quem até tenha aprendido o básico mas, tantos anos volvidos, precise de desenferrujar, ou de se aventurar por obras mais exigentes com o apoio de gente mais sabedora.
Os motivos variam, mas a verdade é que há muitos candidatos a frequentar as oficinas da Ovelha Negra. Candidatos, sim, que, ainda que sejam uma minoria, há homens a provar que este não é ofício exclusivamente feminino. Todos juntos vão aprendendo a falar essa língua estranha que é o "tricotês".
Novelos a postos
Importante para quem está na iminência de ser iniciado nestas lides é saber que esta é também a arte de saber desmanchar. Isso mesmo, não é erro, ainda que sejam precisamente os erros que levem a voltar atrás. É que "o algodão não engana", como se ouve a certa altura, que é como quem diz, se há gato, nota-se logo. A nomenclatura animal, aliás, está muito presente, a dar cor às conversas.
O aviso à navegação é importante, porque desmanchar exige saber, não é apenas fazer "delete", e ajuda a dissipar a frustração saber ao que se vai. Claro que há pontos mais simples, menos dados à asneira, mas, por via das dúvidas, quando as falhas tendem a abundar, recomenda-se um fio simples. Se for uma lã com muito pelo, torna-se muito mais penosa a tarefa de fazer marcha-atrás.
Há oficinas para todos os níveis, dos gorros mais fáceis às desafiantes meias, passando por bolas de Natal, bonequinhos e toda a complexidade de aplicações que pode ter o tricô. Neste sábado, o objetivo é aprender a fazer um xaile, ao longo das quatro horas que dura a aula. Uma pessoa que se tenha iniciado nos pontos básicos já consegue seguir viagem. É um trabalho de apenas duas dimensões mas obriga a uma boa dose de concentração, dada a variedade de pontos que constrói o rendilhado.
O rigor do sudoku
A certa altura, é preciso consultar um desenho, ponto por ponto, o olhar concentrado em cada quadradinho. É fácil saltar uma linha mas rapidamente se percebe que alguma coisa não bate certo. Exige minúcia e rigor para que esta espécie de sudoku se vá revelando sem desvios de simetria.
Ajuda poder usar uma espécie de moldura, onde uma régua magnética vai marcando a linha a seguir. É apenas um dos muitos apetrechos que agora dão uma boa ajuda, entre marcadores, contadores de carreiras, esticadores… Tudo é bem-vindo mas o mais desafiante é perceber que o ritmo é outro. Aqui a obra precisa de tempo para se mostrar, em contraste com a aceleração comum do mundo digital.
Torna-se precioso o auxílio da professora, a acalmar o desânimo, e a perceber onde é que houve outra vez gato, enquanto a cantilena dos pontos se vai desfiando: "Meia, laçada, meia, meia, diminuição à esquerda, laçada, meia, meia, bicho…" Tenta-se só perceber onde se falhou, porque o silêncio tende a imperar, contrariando o lugar-comum de muita conversa a dar à agulha. Apenas durante a pausa, as tricotadeiras – as mulheres hoje fazem o pleno – falaram um pouco mais, enquanto o chá e os bolinhos aquecem a tarde.
A ovelha mais parece um rebanho
Joana Nossa foi bailarina durante 12 anos até que depois do nascimento da filha as ausências lhe começaram a pesar. Sentiu que tinha de encontrar uma alternativa. Curiosamente, a dança e o tricô surgiram na sua vida na mesma altura. Tinha apenas oito anos quando começou a aprender a dançar, enquanto a mãe a iniciava no mundo das lãs.
Como só acredita no trabalho havendo um grande envolvimento – palavras suas –, o tricô foi ganhando forma, entre muitas pesquisas na internet e algumas formações em Londres. Pouco percebia de negócios e, quando abriu portas em 2009, os vizinhos não esconderam o ceticismo, achando que não resistiria mais que um par de meses.
Desconheciam que não era apenas uma loja de lãs, onde só entra quem está de passagem. Ajudou a formar uma comunidade com interesses comuns e transformou-se num ponto de encontro, um sítio onde as pessoas entram a dizer "olá" e a trocar novidades. Tornaram-se fregueses à moda antiga mas de gostos modernos e até já há noitadas de tricô com data marcada.
Os próximos workshops decorrem nos dias 11, 15, 16, 18, 22 e 25 de janeiro. No dia 17, a noite é de encontro entre quem gosta de dar à agulha – basta aparecer na loja a partir das 21.00, munido do próprio material. Para informações atualizadas clique aqui.