Verdadeiros ex-libris de Tomar, a Casa das Ratas e a Casa Materno estão em lados opostos da rua mas têm os mesmos pratos e até a mesma cozinha. Uma mantém o ar rústico das antigas tabernas e a outra faz lembrar uma casa de pasto vintage, cada qual com a sua decoração.
Acessos para deficientes: SimA tasca da vizinha tem uma ementa igual à minha
Verdadeiros ex-líbris de Tomar, a Casa das Ratas e a Casa Matreno estão em lados opostos da rua mas têm os mesmos pratos e até a mesma cozinha. Uma mantém o ar rústico das antigas tabernas e a outra faz lembrar uma casa de pasto vintage, cada qual com a sua decoração. Juntas ajudam a manter o ambiente castiço do centro histórico da cidade onde, por elas, nunca há de faltar um copo de vinho e um pitéu tradicional.
Há mais de meio século que uma não pode viver sem a outra. A Casa Matreno (então chamada Casa Albano Barreira) foi a primeira a abrir portas ao público, corriam os anos 50 do século passado. Tomar era nessa época uma cidade fortemente industrializada e, assim que soavam as sirenes para a saída das fábricas, a taberna começava a encher-se de operários.
A adega do estabelecimento ficava do outro lado da rua, num antigo armazém de cereais a que chamaram (mais tarde) de casa das ratas, tantos eram os roedores que lá viviam. A porta estava sempre aberta por isso um grupo de amigos começou a utilizar este espaço para beber mais à vontade. A certa altura tornou-se um ponto de encontro obrigatório na cidade, onde mulher (praticamente) não entrava e o copo de três ditava a lei do mais forte.
Aos poucos o negócio foi piorando e as duas casas estiveram à beira do encerramento, mas em 2009 um jovem da terra (Pedro Oliveira) não permitiu que isso acontecesse e trouxe-lhes uma nova vida. Aos vinhos e petiscos passou a juntar refeições mais elaboradas, além de ligeiras remodelações nos espaços que respeitaram o passado e a identidade das casas. O coração do centro histórico de Tomar continuou a bater.
Na taberna das memórias
O interior da Casa das Ratas é provavelmente um dos locais mais fotografados da cidade e, uma vez no interior, percebemos porquê. Para lá de uma fachada desgastada pelo tempo revela-se um espaço pequeno, em forma de corredor, mas cheio de histórias e memórias. O dono chama-lhe “museu vivo da tradição local” e, tal como muitos tomarenses, defende o estatuto de interesse concelhio para o edifício.
Intimista e acolhedora, a sala de refeições é preenchida ao centro por meia dúzia de mesas (cerca de 30 pessoas) que se prolongam desde a porta até um pequeno balcão no extremo da casa. Uma das paredes é preenchida por nove depósitos de vinho em tons de vermelho sangue de boi enquanto na outra está um longo garrafeira de madeira. Esta serve de suporte a dezenas de molduras com recortes de jornais, cartazes tauromáquicos, fotografias de equipas de futebol e até um diploma atribuído pelo Grupo Toral e Bubadeira, cujo título é “a melhor casa de pinga da região”.
Tudo junto resulta numa autêntica tasca à moda antiga, não muito diferente daquela que os primeiros clientes encontravam, mas agora com um ambiente mais sofisticado e claro… sem vislumbre de ratos. Como sempre, o espaço não tem cozinha por isso todas as refeições são feitas na Casa Matreno e têm de atravessar a rua antes de chegarem à mesa. À hora do almoço e do jantar, o corrupio é uma constante.
Uma casa portuguesa, com certeza
A dois passos (literalmente) da Casa das Ratas fica a Casa Matreno que, apesar de menos turística e badalada, não deixa de ter alma castiça e boémia e até um toque vintage. O nome vem-lhe de um antigo dono, José Matreno, que sucedeu ao fundador Albano Barreira, em tempos um dos principais comerciantes de vinho do Ribatejo.
O espaço, maior que o da “vizinha” e com capacidade para 70 pessoas, é um retrato aproximado das casas de pasto do século passado. O chão à portuguesa, as paredes de azulejo e o teto de madeira (com um invulgar tom verde) são cartões-de-visita do restaurante, decorado com fotografias e inúmeros objetos antigos, como rádios, balanças, pratos de cerâmica e, claro, muitas garrafas de vinho.
A um canto encontramos ainda uma viola que já animou muitos jantares e patuscadas mas, regra geral, as refeições fazem-se ao som de cd´s de fado e até de jazz. Nos meses mais quentes, estas também podem ser servidas ao relento, numa esplanada de rua que faz as delícias dos turistas e enche de vida este recanto do centro histórico de Tomar.
Pitéus que puxam por vinho
A ementa, partilhada pela Casa Matreno e pela Casa das Ratas, faz jus à história e à tradição de ambas ao dar a provar, sobretudo, gastronomia tradicional e regional. Antes de passar aos pratos principais é (quase) obrigatório experimentar pelo menos um dos petiscos da casa, como maranhos, morcela de arroz, farinheira com ovos, iscas ou pataniscas.
Aos almoços e jantares há sempre vários pratos do dia, servidos em meias-doses (6/7 euros) ou doses completas, estas a rondar os 10 euros. Jaquinzinhos fritos com arroz de tomate, pato assado do forno, entremeada de vaca grelhada e costeleta de novilho grelhada eram as iguarias propostas quando passámos por lá. Como alternativa havia sete pratos fixos de carne, como costeletas de cachaço, mas apenas um de peixe - bacalhau com grão - e outro vegetariano, ratatouille com ovo escalfado. Definitivamente, aqui é a carne que puxa carroças.
Já as sobremesas contavam com mais de uma dezena de sugestões, desde profiteroles com chocolate quente a pêras bêbadas ou fruta da época. Invulgar é também a carta de vinhos, composta exclusivamente por néctares (16 tintos e oito brancos) produzidos na região de Tomar. Estes são bem mais apurados e menos carrascões que a “pinga” servida nos primórdios da Casa Matreno e Casa das Ratas mas enquanto elas existirem a tradição taberneira há de continuar bem viva na cidade dos templários.