Situado na zona histórica de Caminha, é uma casa não muito grande mas com uma excelente cozinha. Uma referência especial para a variedade e qualidade das entradas, todas muito apetitosas. A sala de refeições é agradável e bem decorada e o serviço eficiente e simpático.
Acessos: Centro de Caminha.Páginas de sabor
Quando a ida a um restaurante é uma viagem a uma cozinha autêntica. Com sabores do Minho e personalidade vincada.
Ao Amândio não se chega com pressa. Porque o tempero tal como a escrita exigem tempo. Para degustar. E estar. O espaço, situado na rua Direita, no centro histórico de Caminha, recebe-nos sem cerimónia e surpreende pela quantidade de livros que se amontoam em cada recanto, como se estivéssemos a entrar num alfarrabista. Há uma pirâmide de livros na janela, outros espraiam-se nas prateleiras e alguns até podem estar nas mesas de toalha imaculadamente branca.
O périplo pelas letras continua a refeição toda. Ao lado de cestas com vinhos de diversas proveniências, nas revistas que falam do restaurante e de receitas intemporais. Por vezes, até parece que as palavras se deslaçam por entre quadros de artistas desafiados a emoldurar os sabores e memórias. Enquanto nos distraímos com os pormenores chega, sem se fazer anunciar, o senhor Amândio Rodrigues, figura perpetuada em tinta azul nos pratos que temos na mesa.
Faz as sugestões do dia: lampreia, uma das especialidades da casa muito procurada por portugueses e galegos (a época da lampreia termina em finais de abril), e o lombo de porco bísaro. Aguarda as escolhas e desaparece, parco em palavras que essas ecoam por toda a sala.Nos próximos minutos desvendam-se os primeiros sabores e cheiros que chegam aos poucos da cozinha. Por detrás de garrafões em vidro que separam a pequena sala com apenas sete mesas da cozinha, um vulto movimenta-se sem pressas.Nas paredes temos Camilo e Eça.À espreita uma antologia poética de Neruda e tropeça-se em Faulkner. Mas hátambém Pessoa, Camões, Bocage, Garret e muitos outros.
Diligente e, por enquanto, sem interferir com a conversa, Amândio faz a primeira entrega na mesa, um saquinho de pano com pão. E este é o primeiro alerta de que por ali, os sentidos vão deixar-se inebriar por algum tempo. Pelos aromas e texturas. Mas também pelas conversas e silêncios. Sem pedir licença, chega, delicada, uma tábua de requeijão com mel e passas. A garrafa de vinho tinto é servida e os odores acentuam-se, agora na companhia de fatias finas de presunto e de chouriço com mel e nozes desfeitas, pedaços delicados que entretanto foram ali soltos, tal como os peixinhos da horta com compota, duas pataniscas dentro de um cartucho de papel e uma tacinha com grão-de-bico com bacalhau. Tudo sem margem para recusa, intensificados os sentidos pelos odores de ervas aromáticas. Finalmente, chega a única entrada realmente pedida: uns mexilhões a vapor. Simples, carnudos e salpicados pelas gotas de limão.
Fragmentos temperados
Os movimentos na cozinha prenunciam que o prato principal está a chegar. À mesa aproxima-se a travessa do tal porco bísaro, maçã e batatinhas assadas. Segundos mais tarde é a vez do prato com bróculos, repolho e curgete cozidas. Tudo no ponto. A carne está estaladiça por fora, mas bem tenra por dentro desfazendo-se à primeira garfada. Enquanto a refeição decorre, o tempo não parou e o bigode arrebitado do senhor Amândio já desvendou os primeiros sorrisos. Que isto dos humores é como os sabores e precisam de tempo para apurar. Tal como as descobertas. Das pinturas com lampreias, ilustrações, frases, esculturas, pedacinhos de memórias, encontros e partilhas cúmplices, refletidos em frases emolduradas.
Na hora dos doces, se ia com a famosa rabanada fisgada, nesta segunda-feira de sol primaveril, é melhor esquecer. Não há. Mas também nem há hipótese para outra escolha ou justificações detalhadas. Pelo menos aqui o silêncio não foi sinónimo de ausência, quando a mesa é brindada com duas opções: uma fatia de bolo de chocolate e nozes, denso, mesmo a pedir a companhia de uma tacinha com gelado de iogurte, e de um leite-creme bem amarelo, de textura sedosa como se fosse um pudim de ovos, realçado pela camada fina de açúcar queimado.E para terminar, antes do café, eis que é largado na mesa um mimo.
A garrafa de vintage Niepoort e dois copinhos, acompanhados por uma revista enrolada onde se fala sobre o restaurante. É um espaço amigo do vinho, estando ali presentes as melhores castas nacionais, com especial destaque para os vinhos verdes e alvarinhos. Em relação ao senhor Amândio não estranhe. Pode ser que lá para o fim, até descubra um dedicado companheiro, bem capaz de contar histórias, explicar proveniências dos produtos e dar bons conselhos. Para passeios e sabores.