Sintra assombrada com fantasmas à espreita
A vila preferida dos seres do além revela todos os sábados o seu lado mais oculto durante os percursos noturnos da associação Casa do Fauno. Nós juntámo-nos ao grupo e ouvimos histórias de arrepiar entre caminhos deste e do outro mundo, com passagem por cemitérios e túmulos misteriosos, igrejas e casas assombradas. No final não encontrámos fantasmas mas eles viram-nos a nós…
A Sintra dos amores, repleta de palácios românticos e jardins de contos de fadas, também esconde uma face mais sombria e misteriosa que tanto se embrenha nos bosques altos da serra como desce até às ruas da vila velha. Mais ou menos a meio caminho, junto à Quinta da Regaleira, há uma porta aberta para este mundo místico que dá a conhecer todas as suas correntes mágicas: a Casa da Fauno.
Aqui, o mais comum dos mortais (seja ele crente, cético ou mero curioso) poderá participar em cursos, palestras, encontros e até concertos no pub medieval. Mas também há atividades fora de muros, como as caminhadas noturnas que todos os sábados, a partir das 22 horas, revelam uma particularidade da Sintra assombrada. De entre os vários temas possíveis (sempre pelo preço de 6€) escolhemos o Entremundos, um percurso de seis quilómetros com grau de dificuldade baixa, tanto a nível físico como emocional. Em condições normais o “assustómetro” nunca sobe muito, a não ser que (como foi o nosso caso) surjam convidados inesperados…
Bruxarias, rituais satânicos e um túmulo do além
O percurso começa à entrada da Casa do Fauno com duas histórias de propriedades vizinhas onde a morte (direta ou indiretamente) já bateu à porta. A guia Maria João Martinho conta-nos, então, que um casamento na Quinta dos Alfinetes foi alvo de bruxarias e magia negra - um pássaro decapitado e um bilhete macabro ao lado - que culminou três meses depois com o falecimento do noivo. Já a Quinta Schindler não se livra da fama de assombrada por causa do assassinato de um homem (ali enterrado algures) que nunca mais deu paz à casa-mãe. Coincidência, ou talvez não, a verdade é que ainda hoje a casa do secular edifício continua por concluir.
A caminhada segue depois em direção ao largo Ferreira de Castro onde outrora existiu o luxuoso Hotel Vítor (referido por Eça de Queirós em Os Maias) e o seu casino clandestino, onde os intelectuais faziam tertúlias e jogavam noite dentro. Hoje o edifício está dividido em casas particulares e num restaurante mas ainda há quem jure ouvir o som da roleta, das moedas e das apostas. Continuando sempre a subir, e após uma breve paragem para descansar na Fonte da Sabuga, chegamos à Igreja de Santa Maria, fundada no século XII e reconstruída (depois do terramoto de 1755) ao lado de um antigo cemitério.
Maria Luísa Martinho utiliza a escadaria deste templo como púlpito para contar várias histórias e lendas associadas ao Monte da Lua, como o túmulo junto à igreja românica de São Pedro de Penaferrim que dizem servir de portal para os mundos intraterrenos de Sintra. E rituais satânicos?, pergunta alguém. Cada vez há menos, ao contrário das magias candomblé e umbanda que costumam deixar inúmeras oferendas na serra. Fala-se depois de um homem que utilizou a torre mais alta do castelo dos mouros para se enforcar, altura em que a ajudante da guia, Nádia Costa, fica petrificada e a nossa máquina fotográfica se “recusa” a fotografar. A quase inexistência de luz é uma boa razão técnica para explicar o sucedido mas no final do passeio surgirá outra teoria…
A morte sempre à espreita
Por esta altura a caminhada ainda não vai a meio por isso damos “corda aos sapatos” e descansamos apenas por instantes junto ao antigo convento da Trindade, que antecede outro local marcado pela tragédia: A Quinta da Penalva. Foi lá que Adriane Galisteu, antiga namorada de Ayrton Senna, soube da morte do piloto brasileiro. A partir daqui começamos a descer em direção à Capela de São Lázaro e ao túmulo dos dois irmãos, situado junto ao campo de Futebol do 1º de Dezembro, em terrenos de um antigo cemitério medieval. Diz a lenda que serve de morada final a dois irmãos apaixonados pela mesma dama, um morto (acidentalmente) pelo outro numa noite escura de cortejamento.
Segue-se mais um “esticão” até ao atual cemitério de São Pedro, onde está sepultado o arquiteto Raul Lino. Maria João Martinho aproveita este cenário para contar mais histórias sobre morte, caveiras e fantasmas, como o vulto que dizem aparecer não muito longe dali, numa fonte anexa ao antigo cemitério de Valle Flor. A caminhada não foi até lá mas, enquanto tirávamos mais uma fotografia, Nádia Costa voltou a inquietar-se e a fazer sinais à guia principal. Mais tarde percebemos porquê….
Segue-se uma passagem pela Igreja Românica de São Pedro de Penaferrim, palco de uma das primeiras reuniões de maçonaria em Portugal, e que também teve o seu cemitério no século XIX. O problema é que o terreno não era propício à decomposição dos corpos por isso o povo costumava dizer que ali cheirava a morte. Vítima de falatório é também um bar ali próximo e onde a própria Maria Luísa Martinho diz ter sentido várias “presenças”.
Fantasmas que incomodam e não querem ser incomodados
Já no centro histórico de Sintra passamos por outra casa supostamente assombrada (por pertencer a particulares só podemos dizer que tem uma torre em forma de chapéu de bruxa) que desencadeou vários fenómenos poltergeist, como gavetas e portas a abrirem e fecharem sem razão aparente. Estranhos são também os ruídos que se ouvem no palácio Valenças (atual arquivo municipal de Sintra) e que alguns funcionários atribuem ao fantasma da Dona Palmira, antiga empregada do conde de Valeças que (perdida de amores) não resistiu à morte do patrão e acabou por suicidar-se.
Arrepiante é igualmente a história (alegadamente verídica) que rodeia o antigo hospital de Sintra. Durante as recentes obras de remodelação do edifício (agora à venda) os trabalhadores derrubaram uma parede oca que escondia uma câmara. No interior estava a múmia de um bispo sentado numa cadeira. Ali ao lado, o paço de Sintra também tem várias histórias de assombração e alguns funcionários dizem ouvir o choro de quem, no passado, morreu intoxicado pelos fumos da cozinha real.
A caminhada termina junto à Quinta do Relógio (em frente à Regaleira), antes chamada de Quinta do Monte Cristo porque o seu antigo proprietário era um cruel comerciante de escravos, cujas almas passaram a amaldiçoar o edifício. Mas antes decidimos perguntar a Maria João Martinho e a Nádia Costa se nos escapou alguma coisa pelo caminho. Foi então que a segunda, conhecida no meio místico por “ver o que os outros não vêem”, nos disse: “Lembra-se de fotografar a Igreja de Santa Maria e o cemitério de São Pedro?” Ali mesmo à sua frente estavam dois seres do além”.
Nelson Jerónimo Rodrigues 2014-10-27