A estadia do Casal Mistério na mais ascética e despojada das Pousadas de Portugal tem laivos de enigma, a condizer com o espírito do lugar. Quando chegaram ao mosteiro cisterciense era noite escura e chovia...
Chegámos já de noite debaixo de uma chuva imensa. Apesar do dilúvio, não foi difícil encontrar a imponente Pousada de Amares, em Santa Maria do Bouro, algures entre Braga e a serra do Gerês. Estava um frio de rachar e eu previ o pior ao olhar para aquelas paredes de pedra enormes. Imaginei-me a entrar numa arca frigorífica.
Primeira boa surpresa: a receção estava tão quente e acolhedora que comecei logo a tirar casacos atrás de casacos. Não resisti e perguntei ao solícito rececionista:
- Como é que conseguem manter esta temperatura num mosteiro deste tamanho com as paredes e o chão em pedra?
Apontou, com um sorriso triunfante, para umas discretas grades que percorriam os rodapés das paredes.
- Temos aquecimento central em toda a pousada.
Suspirei de alívio. De facto, só voltei a pôr um casaco quando fomos embora.
O caminho até ao quarto é um labirinto de boas surpresas. O mosteiro da Ordem de Cister do séc. XII foi alvo de um trabalho notável de restauro liderado pelo arquiteto Eduardo Souto Moura. O silêncio e a iluminação dos intermináveis corredores transportam-nos para o tempo dos monges cisteres. As suas 32 celas foram transformadas em confortáveis quartos, adaptando-os às comodidades exigidas dos tempos modernos. Com vistas panorâmicas sobre a serra através de enormes janelas de vidro, estão equipados com televisão por cabo, mini-bar, e, claro, casa de banho privativa, toda forrada a mármore.
O nosso quarto era minimalista com o estritamente necessário, mas ao mesmo tempo enorme e super confortável, talvez até demasiado quente para o meu gosto. A cama, no nosso caso, as camas (porque eram duas camas de solteiro juntas) eram excelentes. Os lençóis e os edredões, brancos, eram leves, macios e quentes, as almofadas eram de penas, o que, de facto, faz toda a diferença. O único defeito que encontrei no quarto foi na casa de banho. O duche tinha pressão a mais e como a saída era demasiado estreita, os jatos de água magoavam a sério. Quando acabei de tomar banho, receei estar em carne viva.
A pousada está muitíssimo bem dividida. A receção está estrategicamente situada no meio. De um lado, estão os quartos, do lado oposto as várias salas. Todo o mosteiro manteve as paredes e o chão de pedra (exceto nos quartos cujo chão é de madeira), os corredores que nos levam às salas estão iluminados por mini lanternas com velas espalhadas pelo chão. Além de uma sala com uma enorme lareira, há o bar, a sala de jogos, a sala de bilhar e finalmente, o ex libris desta pousada: o restaurante.
É provavelmente das salas mais bonitas onde jantei. O seu teto alto, as paredes de pedra maciça, os fornos antigos, a imponente mesa de pedra ao centro levam-nos numa viagem a um passado tão distante que se torna difícil acreditar que chegaram até aos nossos dias.
O jantar foi bom mas não foi extraordinário. Partilhámos um carpaccio de polvo (que veio quente, nunca tal tínhamos visto) e um arroz de cabrito que estava bom. Já se sabe que nesta região se come sempre bem, mas o jantar definitivamente não surpreendeu. O mesmo se passou com o
pequeno-almoço: é bom, cumpre os mínimos, mas não é nada de outro mundo nem digno de uma mesa extraordinária como aquela. É certo que chegámos já perto do fim, por isso, lá nos atirámos ao pão, à broa, ao queijo e aos doces caseiros. O sumo de laranja não era natural e os ovos mexidos estavam frios, o que não se compreende num hotel destes.
Como apanhámos mau tempo, não deu para aproveitar o exterior do hotel.
Quando a chuva se dignou a parar, durante uns parcos 20 minutos, percorremos os jardins, fomos até à piscina, um percurso de onde se pode apreciar toda a beleza do edifício, nesta altura com as parras em tons de fogo a cair pelas paredes, e acabámos no extraordinário pátio dos claustros que, no verão, promete ser um spot imbatível.
A pousada sugere atividades no exterior como canoagem, pesca, caminhadas e passeios a cavalo, além da piscina, claro, tudo programas que a chuva deitou por terra. E convém lembrar que a Pousada de Amares situa-se a minutos do Parque Nacional da Peneda Gerês, que tem paisagens do outro mundo, sobretudo para quem é fã do tão na moda turismo de montanha.
Se for adepto do chamado turismo cultural ou religioso, não deixe de ir a Braga, que fica a poucos quilómetros da pousada e é um dos principais centros religiosos de Portugal, sendo conhecido pelas suas igrejas barrocas, deslumbrantes casas do século XVIII e inúmeros jardins e parques.
Se gosta de viajar até ao passado, de lareiras grandes e de ambientes iluminados por velas, não espere para marcar um fim de semana neste reduto de silêncio e conforto. Se é daqueles que não consegue estar quieto, para quem um livro é sinónimo de uma grande maçada, e se adora passeios e aventuras na serra, espere pela primavera e passe aqui uns dias. Vai ver que, de uma forma ou de outra, não se vai arrepender.
O bom
O quarto
O mau
O carpaccio de polvo e o duche
O ótimo
A sala de jantar
Uma ótima viagem ao passado para si,
Ela
Os autores e o blogue
Ele cozinha, ela viaja. Quando estão fora, testam e avaliam restaurantes, bares e hotéis. Quando se juntam em casa, escrevem sobre o que viram: o bom, o mau e o péssimo. Um blog para quem gosta de comer, beber, viajar e gin... muito gin. Desde dezembro de 2013.
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Para ficar a saber mais sobre o Casal Mistério pode também ler esta entrevista.
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Uma noite na Quinta das Lágrimas
Casal Mistério 2014-12-10