Nos jardins de sal da reserva
Em plena Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António há um percurso pedestre que em apenas dois quilómetros dá a conhecer os segredos e as tradições do “ouro branco” da região: o sal. Um exemplo raro de harmonia entre o engenho do Homem e o poder da natureza, bem no coração de um dos mais importantes habitats nacionais de aves.
Há uma lenda algarvia que conta a história de Gilda, a princesa nórdica que adoeceu por causa das saudades da neve. A solução encontrada pelo seu amado, o rei de Chelb (atual cidade de Silves) foi plantar milhares de amendoeiras para que, quando estivessem em flor, dessem a sensação de ter nevado. Mas tal não seria necessário se vivessem no castelo de Castro Marim.
É que lá do alto, entre o casario da vila e o Guadiana, também se pode avistar um surpreendente e geométrico manto branco, feito de marinhas de sal cristalino. Para isso é necessário estarmos na temporada deste produto, que começa no início da primavera e prolonga-se verão adentro.
Nesta ou noutra época, vale a pena deambular pelo labirinto de pequenos lagos e viveiros (aparentemente) adormecidos. Melhor ainda é juntar as duas coisas: primeiro passe por lá no inverno, e depois revisite o local no verão. Vai gostar de ver a metamorfose das salinas e do sapal.
Pés a caminho
O início do percurso faz-se junto ao viaduto que passa por cima da Estrada Nacional 122. É possível estacionar o carro aí mesmo ou deixá-lo do outro lado, junto ao parque infantil. O ponto de partida não tem nada que enganar (está devidamente sinalizado com uma placa) e, por ficar num local elevado, permite avistar os caminhos que iremos percorrer na próxima hora, o tempo estimado desta caminhada.
Os metros iniciais são feitos numa estrada de alcatrão (primeiro com uma ligeira descida e depois em terreno plano) mas rapidamente passamos para terra batida, aqui e ali com algum empedrado. À direita avistam-se tanques de água e as primeiras salinas, mas estas estão desativadas.
Nas proximidades ficam meia dúzia de hortas e alguns pombais tradicionais que tornam a paisagem mais colorida e pitoresca, embora tenham os dias contados porque foram construídos numa área protegida.
Santuário natural
Algumas dezenas de metros depois viramos à direita e começamos a encontrar as primeiras aves que habitam este recanto da reserva. A maioria prefere andar pelas redondezas das salinas, até porque sabe que em nenhum outro local terá tanto alimento, fruto do rico ecossistema que as rodeia.
No inverno avistam-se muitas garças, patos, cegonhas, flamingos e andorinhas do mar, entre outras aves aquáticas. Já no fim da primavera e no verão a população diminui consideravelmente, mas os especialistas dizem que, para as que ficam, a reserva é um habitat único para nidificarem. É o caso da andorinha-do-mar anã, do perna-longa (símbolo da reserva) ou do borrelho-de-coleira-interrompida. E o mesmo acontece com o alfaiate que apenas se reproduz com regularidade nesta região do país.
Estas e outras aves são apenas a parte mais visível da reserva, mas aqui também habitam e reproduzem-se muitas mais espécies vegetais e animais como peixes, moluscos e crustáceos.
Pesca e sal: artes tradicionais lado-a-lado
Ao fundo da estrada fica um dos muitos braços de rio (Guadiana) que serpenteiam pela reserva. A câmara municipal construiu aqui um pequeno cais e meia dúzia de casas de madeira que servem de abrigo aos barcos e aos pescadores da zona.
É frequente encontrá-los por lá, seja a remendar as redes ou simplesmente a conversar, por isso não perca a oportunidade de puxar conversa e fazer-lhes algumas questões sobre este local, porque eles conhecem-no quase de olhos fechados.
As salinas principais ficam a dois passos dali, mas para lá chegar é preciso seguir por trilhos um pouco mais apertados que não convidam a grandes passeios quando chove. Na primavera e no verão a caminhada extra vale bem a pena, já que é lá que melhor se observam os trabalhos nas salinas.
Das salinas à mesa
Quem chega às marinhas e vê o sal pronto a apanhar dificilmente imagina que o processo é mais complexo do que parece à primeira vista. Afinal, para que surja nos “talhos” (os quadrados ou retângulos onde se forma o sal) é preciso que a água siga um percurso previamente determinado por tanques compartimentados, aquecendo e evaporando progressivamente. Todos os anos, as marinhas têm de ser limpas e, só depois disso”, em junho, se faz a primeira “raza”.
Por estas paragens, a recolha é totalmente tradicional, mas nos últimos anos apostou-se também na produção de flor de sal, pequenos cristais que se formam à tona da água e nunca tocam no fundo da salina. Chefes e gourmets de todo o mundo elogiam-lhe o sabor delicado e transformaram-no num pequeno tesouro culinário com preços cada vez mais elevados. Por isso, aqui fica mais uma dica: pergunte por ele aos produtores dali porque eles vendem-no a preços mais simpáticos.
Muitos dos restaurantes do concelho, caso da Taberna Medieval, já não dispensam a flor do sal de Castro Marim. E já que este percurso de pequena rota é bastante acessível, nada melhor que no final continuar a caminhada rumo ao centro da vila e prová-lo à mesa. Depois da refeição, se ainda tiver forças, suba até ao castelo e imagine-se um príncipe ou uma princesa a contemplar a tal “neve” de Castro Marim.
Percurso das Salinas Tradicionais
Distância de Lisboa: 325 Km
Percurso recomendado: A2, A22
Custo das portagens: 26.20€
Distância do Porto: 590 Km
Percurso recomendado: A1, A13, A22
Custos das portagens: 47,65€
Nelson Jerónimo Rodrigues