Na semana em que andamos junto Tejo em Vila Franca de Xira, Eva Marcela, do blogue Documentar o Mundo, junta-se a nós e leva-nos a conhecer uma Casa Avieira.
No cais da Póvoa de Santa Iria, a reconstituição de uma casa avieira retrata a vida destes “nómadas do rio”.
Terá sido em meados do século XIX que pescadores da zona de Vieira de Leiria migraram à procura de melhores condições de vida. Atraídos pela abundância de peixe no rio Tejo, viviam em lares flutuantes – as bateiras e os saveiros - ao sabor da corrente e de “onde o peixe dava”. Estas duras condições de vida foram melhorando e passaram a morar em casas palafíticas (devido às cheias) nas margens do rio.
A casa avieira é de pequenas dimensões e apresenta três espaços distintos: o hall de entrada, onde dormiam os filhos; o quarto dos pais, apenas com uma cama e a cozinha. É nesta última que encontramos alguns elementos que testemunham o modo de vida deste povo. Uma mesa onde se serviam as refeições; o garrafão do vinho e a bilha da água; a lareira a um canto, onde se cozinhava e servia para aquecer a casa; a bolsa do dinheiro que as mulheres usavam debaixo da saia; a balança e a salgadeira onde o peixe era colocado para conservação.
Nas escadas que dão acesso ao barco atracado junto à casa, as redes de pesca expostas retratam outros tempos em que não tinham parança. No cais palafítico descansam alguns barcos de madeira coloridos.
É na Associação Cultural dos Avieiros da Póvoa de Santa Iria que conheço o sr. Manuel e esposa. Contam-me como era a vida dura no barco, a morosidade das deslocações, os perigos do rio. Nasceram no barco e aqui tiveram os seus filhos. Quando se entrava em trabalho de parto, era a ti’ Bernarda, uma senhora de Alhandra já com alguma idade que as acudia. O casal chegava a estar quinze dias no rio, porque a embarcação é sempre constituída por duas pessoas. O sr. Manuel mostra-me a proa onde fica a cozinha e o quarto. "É aqui que guardamos os nossos pertences, comemos e dormimos. Nos antigos barcos de madeira tinha de se armar um toldo." Hoje a vida é mais fácil com os barcos de fibra, mais rápidos e sem tantas necessidades de manutenção.
A comunidade de avieiros chegou a ter cerca de 400 pessoas, que apesar das pequenas disputas pelo peixe, viviam num forte espírito de união. Com a requalificação da zona ribeirinha, este bairro foi demolido e atualmente restam algumas das arrecadações que ainda são usadas pelos avieiros que resistem às mudanças dos tempos.
Antes de partir, visito o núcleo museológico A Póvoa e o Rio. Uma aposta ganha e muito bem documentada que divulga a relação da população com o rio Tejo: os primeiros habitantes, a extração de sal, o tráfego fluvial, a fixação de indústrias e a vida dos avieiros.
Está em curso a candidatura da Cultura Avieira a Património Nacional.
A autora e o blogue
Eva Marcela é documentalista de formação e viajante de coração. Iniciou o blogue em 2012 onde partilha os lugares que visita. Nunca sai sem um caderno de capa dura e várias canetas. Recebeu o prémio de melhor blogue de viagens pessoal na 1ª edição dos BTL Blogger Travel Awards 2014.
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Hambúrgueres com vista para o Tejo
Há vida na aldeia de Quintandona
Eva Marcela 2014-10-22