O Património das Pequenas Coisas

Como qualquer diva sabe, o importante são os detalhes. O que distingue absolutamente Lisboa, para lá do roteiro óbvio de museus e miradouros? Com o charme habitual, a querida Divas em Apuros revela as suas preferências. 

Património pode ser material ou imaterial. Pode ser nosso, dos países, das cidades. Da cultura ou sobre riqueza. Mas, acima de tudo, significa o conjunto de bens reconhecidos pela sua importância num determinado contexto. Para mim, importantes são os detalhes. São os aspetos praticamente invisíveis que fazem das "grandes" cidades lugares únicos, incapazes de serem confundidos. Não só pela sua paisagem urbana mas como pelo que oferecem. Museus, galerias, monumentos, peças de teatro, miradouros são sempre requisitos óbvios para recordarmos as experiências que ficam das nossas viagens. Apesar disto, acredito que é dos aspetos banais do quotidiano que retiramos maior emoção. No fundo, por mais que visitemos todos estes espaços de oferta cultural, o essencial está no menos palpável e, ao mesmo tempo, tão diante dos nossos olhos.

Ainda que esta introdução esteja ligeiramente conceptual, o que vos quero transmitir é que o Património da minha querida Lisboa está:


. Nas Casas de Bifanas
Em cada esquina da cidade temos uma. Suspeito que sejam projeto do mesmo decorador de interiores dado que, aparentemente, são todas iguais (deve estar rico, o gajo). A diferença está nas frigideiras que compõem as montras, umas nunca foram lavadas e outras só veem água quando o ano é bissexto. Contudo, é isto que faz da carne de porco algo apetecível até para um muçulmano. Basta juntar-lhe um bocadinho de picante, mostarda e eis que a bifana entra nas 7 maravilhas da gordura da Europa.


. Nas lojas bengalesas que vendem souvenirs
São cada vez mais e ainda bem. Quem melhor do que senhores nascidos no Bangladesh para vender imitações da Viúva Lamego e t-shirts com o Elétrico 28? Mas há algum tuga, por acaso, que se lembre de reunir, no mesmo espaço comercial, louça Bordalo Pinheirinho e carregadores para iPhone e Android? E ainda temos a lata de dizer que andam a ocupar as zonas estratégicas da cidade, quando não temos cá ninguém a fazer negócio com esta classe. Catarina Portas, deixa-te de refrescos e mete os olhos nisto. Obrigada.

. Na Betalhada
Tenho quase a certeza que é uma raça originária de Portugal. Temos que ser justos, também não temos só coisas más! É mais do que seguro assumirmos que não há beto como o nosso. Esta simbiose entre pessoas de berços deveras diferentes que adotam, sem cometer grandes lapsos, comportamentos tão idênticos, é um processo tipicamente nosso que tem que ser valorizado. Devemos preservá-los com carinho para continuarmos a ter com quem gozar. Mesmo contrariados, é importante fazer um esforço para proferir "lindamente" todos os dias, assim como dar apenas um beijinho em prol da tradição. Salvem as Pituchas, libertem as Carminhos e, por favor, estimem os Bernardos.

. Nos Taxistas
Começo a ter receio que entrem em extinção. Ainda há dias li que o Panda já não está em risco e quase chorei pela hipocrisia de estarmos a fazer o mesmo aos nossos taxistas. A realidade é que, depois da Uber e dos Tucs, eles são cada vez menos. Se acabam de vez, quem é que vai percorrer aqueles 3 kms extra que fazem toda a diferença na economia nacional? Digam-me, quem é que vai enganar com tamanha subtileza, o turista que paga 20 euros do Cais do Sodré até ao Lux, desfalque esse que não lhe cria mossa nenhuma e que para o Zé Manel representa um precioso vodka? Mais solidariedade para estes desgraçados, por favor.


. Na PSP
A nossa polícia de segurança pública é altamente subvalorizada. Habitualmente sofredores de bullying na primária, crescem e fazem-se homens de olhar agressivo, preparados para castigar qualquer imoral que circule sem inspeção, como quem trava um terrorista de concretizar um atentado a uma creche. Fomos capazes de fazer um pseudo memorial para o "Senhor o Adeus" que, reparem bem, só abanava a mãozinha, e a estes senhores que ficam 8 horas por dia DE PÉ no Pingo Doce, NADA!


. Nas Obras Públicas
São tantas, e duram tantos anos, que acho que já mereciam ser consideradas Património. Sempre que passo por uma retroescavadora, faço questão de sentir a peça, como quem está perante um Monet. Seguidamente, avalio o grau de interferência da obra na qualidade de vida do cidadão versus o benefício prometido para daí a 10 anos e, normalmente, chego à conclusão que pouco ou nada mudará. O que lhe confere ainda mais cachet. Termino a minha visita ao Museu Obral tirando uma foto para publicar no Instagram com filtro Mayfair e #estaobraedocaraças.

. Cinema Ideal
Representa um investimento de cerca de 500 mil euros e a sala de cinema mais acolhedora de todo o país. Não só porque é efetivamente pequena (mas ainda assim interessante) mas porque tem sessões menos povoadas que o Cinematógrafo às 10h da manhã. Acho mal. Pelo menos uma vez na vida devíamos assistir a um filme ideal. Com a vantagem de se poder namorar à vontade, ainda ficamos habilitados a atirar o bilhete à cara dos intelectuais. Para quem acha que nunca fui capaz de papar um filme iraniano até ao fim, está coberto de razão.

Saí a meio.


Love,
D.

A autora e o blogue
O blog Divas em Apuros não é para quem quer, é para quem pode.
As Divas de Portugal têm finalmente um espaço para ler histórias dignas e relevantes.
É dedicado ao público feminino mas não julgará outros géneros. É pensado para quem assiste à Casa dos Segredos mas que não pode contar a ninguém. É também dedicado às meninas que nunca ganharam tão mal na vida mas que, ainda assim, continuam a ir à H&M duas vezes por mês.
É o blog para quem nasce Diva e morre Diva.
Basta de sermos humildes.
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Diva e o Dia dos Namorados

Diva e o Design

Diva e as Novas Modas

Por Raquel Garção | Divas em Apuros 2016-09-21

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