Lojas centenárias do Porto

Um século a receber fregueses

Têm cem anos, ou mais, mas vida é o que não lhes falta. Quer vendam livros, comida, botões, brinquedos, ou cabeleiras postiças uma coisa é certa, ou melhor duas coisas são certas: o atendimento atencioso, com pronúncia inconfundível, e a qualidade dos produtos.

Comecemos pelo estômago, já que é assim que se conquistam corações, dizem. Para isso é dar um saltinho à rua Formosa, já que por lá existem não uma, mas duas mercearias que não podendo usar o título de centenárias, estão lá muito, muito perto.

Uma delas é a Pérola do Bolhão, uma autêntica pérola, como o nome indica. Foi fundada em 1917, mas um dos simpáticos funcionários diz-nos que apesar da fachada arte nova, forrada a azulejos, ser dessa altura, a loja já existia antes.

Lá dentro, os clientes encostam-se ao balcão e conversam alegremente com quem está a atendê-los. O bacalhau é rei nesta altura do ano, bem como os frutos secos, mas os ladrilhos de marmelada, os rebuçados S. Xavier, os bombons Avianense, também eles centenários, chamam a atenção. As garrafas em miniatura de todo o tipo de bebidas brancas também compõem o ramalhete.

Na Comer e Chorar por Mais percebe-se imediatamente porque é que a loja tem esse nome. Nem sempre se chamou assim, quando foi fundada, em 1912, chamava-se Sociedade Papelaria Colonial, Lda. Foi no decorrer de uma entrevista ao jornal Comércio do Porto que o proprietário da loja disse ao jornalista que tudo o que ali se vendia era de comer e chorar por mais. Estava assim encontrado o nome mais apropriado para a loja, que importava muitos dos seus produtos das antigas colónias. Ainda existem alguns baús desses tempos, espalhados pelas prateleiras e muitos mais guardados na arrecadação. Está prevista, aliás, uma exposição com estes pequenos tesouros. A garrafeira impõe respeito. Os frutos secos enchem os olhos e os queijos e os enchidos, bem, fazem-nos salivar.

A mais antiga de todas as mercearias é a Casa Oriental, que abriu as portas em 1910. Os cafés e o chocolate eram os produtos mais importantes desta casa, no início do século. Agora, é o bacalhau que se impõe, pendurado por toda a loja. Além dos clientes habituais do bairro, também é procurada por turistas, visto encontrar-se mesmo ao lado da torre dos clérigos.

Tecidos, botões e outros acessórios

A Botónia, na Rua de Cedofeita, também tem mais de 100 anos e é o paraíso dos apreciadores e colecionadores de botões. Está nas mãos da mesma família desde sempre e, atualmente, é Maria Guilhermina quem toma conta da loja dos avós maternos. Tem botões com a mesma idade da casa, muito procurados por colecionadores, como é o caso de uma cliente francesa que vai de propósito ao Porto para ir à Botónia. Há botões de todos os feitios e para todos os gostos. Alguns podem custar 35€ a unidade.

O Armazém dos Linhos já não é a loja das chitas, como sempre foi conhecido. Ou melhor, ainda são lá vendidas as famosas Chitas de Alcobaça, tal como em 1905, mas as atuais proprietárias modernizaram o conceito da loja e agora no antigo armazém também se encontram os tecidos aplicados em diferentes objetos, como mochilas, pastas de computador e mobiliário. Os fãs de tecidos vão ter muita dificuldade em sair desta loja.

Já a clientela do Cardoso Cabeleireiro, procura o estabelecimento por razões menos felizes. Como explica Israel Matos, que trabalha aqui desde os 11 anos, neste momento a loja é mais procurada por pessoas com problemas oncológicos. Há uns 20 ou 30 anos atrás vendiam-se muitas cabeleiras por vaidade, agora o negócio sobrevive com o aluguer de perucas para procissões, ou outros eventos. Tal como a maior parte destes negócios centenários, a loja foi passando de geração em geração mas a tradição posticeira foi mantida, bem como todo o mobiliário da loja.

Também há os livros

Quando se pensa em livraria centenária do Porto, pensa-se na Lello & Irmão, que não precisa de muitas apresentações. Considerada uma das mais bonitas do mundo, não é fácil visitá-la, porque está sempre cheia de turistas. Às vezes é mesmo quase impossível circular lá dentro. O ideal é entrar logo cedo pela manhã e reparar nos escritores esculpidos por cima das prateleiras. Nas estantes superiores há uns quantos livros antigos arrumados, alguns desses estão à venda no piso de cima, como os seis volumes da Condessa de Charny de A. Dumas (60€), por exemplo, editado pela Lello.

No entanto, esta livraria não está sozinha no pódio das maravilhas do Porto. A Moreira da Costa é um exemplo de amor aos livros. Esta livraria alfarrabista, fundada em 1902 por José Moreira da Costa, está agora nas mãos de Ângelo Carneiro, trineto do fundador.

Aqui vendem-se livros em segunda mão e guardam-se memórias de outros tempos, que passaram de geração em geração. Preservar e catalogar todo o espólio da livraria é o grande desafio do atual proprietário.
Como neste momento não é seguro descer à cave, devido aos problemas de infiltração do edifício, para ficar com uma ideia do que estamos a falar pode espreitar o vídeo da artista plástica Carla Filipe aqui.


E os brinquedos, claro


Entra-se na Bazar Paris, criada em 1903, e a criança que está dentro de todos nós salta cá para fora. É impossível ficar indiferente às bonecas, à loiça em miniatura, aos comboios, carros e peluches. É muito provável que o próprio Grinch desse saltinhos de alegria nesta loja, que está nas mãos de Luísa Vilas-Boas, a quarta geração da mesma família.

Aqui é muito raro encontrar o mesmo tipo de artigos que existem nas grandes superfícies, porque, como explica a proprietária, é impossível competir com os preços que praticam. Por isso, as prateleiras da Bazar Paris são como montras de guloseimas. Apetece trazer tudo para casa.

Quem frequenta estas lojas sabe que comércio mais tradicional do que este não há. Aqui a tradição ainda é o que era.

Carla Fonseca 2014-12-17

Receba as melhores oportunidades no seu e-mail
Registe-se agora