Lojas do tempo em que o Rei fazia anos
A Baixa e o Chiado de Lisboa são os fiéis depositários de lojas centenárias que o tempo não apagou. Livrarias, retrosarias, confeitarias , mercearias e outras pérolas resistiram à passagem dos anos e enchem de charme e tradição a capital. Lojas com campainha à entrada e um sorriso à saída que sugerem um passeio para si e uma prenda para alguém.
Livraria Bertrand
A sua antiguidade (desde 1732) valeu-lhe em abril de 2010, o certificado do Livro de Records do Guinness de livraria mais antiga do mundo ainda em funcionamento.
Mais do que uma livraria, a Bertrand do Chiado é um local de tertúlia, funcionando como uma espécie de clube literário. Alexandre Herculano costumava lá publicar os seus livros, Oliveira Martins, Eça de Queirós, Antero de Quental e Ramalho Ortigão eram frequentadores assíduos. O cantinho do Aquilino [Ribeiro], na primeira sala do lado direito, é uma homenagem que a Bertrand presta ao escritor e um legado às novas gerações.
Com tamanha longevidade tinha de haver lugar para o insólito. O político José Fontana, um dos seus primeiros empregados, suicidou-se lá dentro. Mas como no Natal o que se celebra é o nascimento, aproveite a promoção em vigor até 24 de dezembro de 50% em mais de 10 000 livros e faça alguém feliz.
Caza das Vellas Loreto
Ainda havia reis em Portugal e a eletricidade era uma miragem quando esta loja especialista em velas abria pela primeira vez as portas nos números 53 e 55 da Rua do Loreto. Com a inauguração desta casa, as velas deixavam de ser fabricadas com sebo e passaram a ser feitas com cera de abelha.
Fundada no dia 14 de julho de 1789, coincidindo a sua data com o início da Revolução Francesa, na sua longa história de 225 anos a encomenda mais estranha que terá recebido foi por ocasião da atuação de Franz Liszt no vizinho Teatro São Carlos. O húngaro terá pedido velas vermelhas para iluminar a sala. Foi desde essa altura que, em Portugal, as velas passaram a ter cor.
Na mesma família há seis gerações, todas as velas são aqui fabricadas artesanalmente, de fio a pavio. Se ainda está à procura de uma prenda especial para oferecer este Natal, saiba que ela pode estar aqui.
Confeitaria Nacional
Baltazar Roiz Castanheiro foi o fundador desta casa que se mantém nas mãos da mesma família desde 1829. O ex-líbris da casa é o bolo-rei, um segredo guardado a sete chaves e que foi trazido para Portugal pelo filho do fundador em meados do século XIX. Foi ainda ele quem mandou vir de Paris e de Madrid mestres confeiteiros que melhoraram a qualidade e fabrico dos bolos. O investimento valeu-lhe diversas medalhas em concursos internacionais da especialidade. O prestígio granjeado torna a Confeitaria Nacional fornecedora da Casa real até à proclamação da República.
É já da época do bisneto do fundador (segunda década do século passado) o logótipo estilizado ainda hoje presente nas embalagens da Confeitaria Nacional. A fábrica chegou a ter posto médico, balneários e uma biblioteca, regalias para a classe trabalhadora.
Se ainda não sabe onde comprar os seus doces de Natal aproveite para comprovar se a tradição ainda é o que era.
Hospital de Bonecas
“Era uma vez uma senhora velhinha que se sentava a fazer bonecas à porta da sua pequena loja de ervas secas”. Assim começa a história deste espaço centenário, aberto desde 1830 no número 7 da Praça da Figueira, autêntico conto de fadas onde o real e o faz-de-conta se misturam.
A entrada do Hospital de Bonecas faz-se por uma exígua entrada onde funciona a loja propriamente dita, repleta de brinquedos novos que vão do 1€ (boneca em miniatura) aos 150€ (boneca em porcelana). No primeiro piso fica o museu e a zona de restauro, onde cada sala tem a sua especialidade, como cirurgia plástica (restauro e pintura), transplantes (para recolocar pernas ou cabeças) ou politraumatizados, os casos mais graves. Não falta sequer uma zona de costura com roupa para os bonecos e até para bebés prematuros.
Quando os peluches estão demasiado estragados aproveitam-se os restos e faz-se um coração que será colocado no interior do novo. Aqui os sonhos de crianças e adultos nunca se dão por perdidos.
Casa Havaneza
Inaugurada em 1864, era tabacaria, florista e agência de notícias. Cenário de vários romances, Eça de Queirós foi um dos escritores que mais terá escrito sobre ela. Esta é uma citação do Crime do Padre Amaro: “Nos finais de Maio de 1871 havia grande alvoroço na Casa Havaneza, ao Chiado, em Lisboa. Pessoas esbaforidas chegavam, rompiam, pelos grupos que atulham a porta, e alcançando-se em bicos de pés esticavam o pescoço, por entre a massa dos chapéus, para as grades do balcão, onde numa tabuleta suspensa se colocavam os telegramas da Agência Havas…”
À altura ostentava um letreiro em francês a dizer “Maison Havanaise, depot de tabacs” e ocupava toda a largura do andar térreo. Fornecedores da casa real, são atualmente importadores e distribuidores de charutos cubanos em Portugal.
Para comemorar os 150 anos, esta casa que se dedica ao fumo e aos utensílios do fumador, lançou um pote humidificador de cerâmica Bordalo Pinheiro por 95€. Uma edição limitada a 150 peças. Uma pode ser sua.
Chapelaria Azevedo
Uma fotografia de Manuel Azevedo Rua, o fundador desta casa centenária (1886) recebe os clientes com orgulho e leva-os a imaginar o que levou um duriense de gema a trocar a produção de vinho do Porto pela venda de “chapeos e bonets”, como se escrevia na época. Nunca uma praga na vinha e o dinheiro contado de um tio padre tiveram um fim tão proveitoso.
O Rei D. Carlos, Fernando Pessoa ou Vasco Santana foram alguns dos ilustres fregueses da loja, situada em pleno coração Praça D. Pedro V, que em tempos também foi conhecido por praça dos chapeleiros. Hoje há clientes de todas as idades, classes sociais e proveniências (boa parte são turistas deslumbrados com os armários antigos) e até houve um sem-abrigo que reservou uma boina com a promessa (cumprida) de voltar logo que juntasse as moedas suficientes.
De verão os panamás brancos de palha (preço entre os 50 e os 300€) são o artigo mais procurado e de inverno são os chapéus clássicos de feltro (dos 60€ aos 300€). Mas também há chapéus de senhora, bengalas ou chapéus-de-chuva. Faça chuva ou faça sol, há cinco gerações que a casa dá um toque de charme ao Rossio. Tire-se-lhe o chapéu.
Retrosaria Adriano Coelho
De portas abertas desde em 1912, a Retrosaria Adriano Coelho é um bom exemplo de com que linhas se cose o comércio tradicional lisboeta. Apesar da história e atendimento personalizado esta loja da Rua da Conceição (também conhecida por rua das retrosarias) não escapa à concorrência das grandes superfícies comerciais e de outras lojas “pastilha elástica” com roupa que se usa uma ou duas vezes e depois deita-se fora.
Desta nem querem sequer ouvir falar os quatro homens e duas mulheres atrás do balcão, dois deles antigos funcionários que compraram a casa em 1978 à família do fundador Adriano Coelho. Para eles as boas peças são eternas e… esta loja também.
Guardados em inúmeras gavetas de madeira estão 1001 produtos, desde rendas e lenços com monograma, a botões, fechos e lãs. Um museu sem bilhete de entrada mas com muitas prendas de Natal à medida dos mais revivalistas.
Casa Macário
Abriu portas em 1913 e manteve para sempre o nome do fundador. Na altura vendia exclusivamente chás e cafés mas desde os anos 80 (quando mudou de mãos) que esta mercearia fina passou a ter outros produtos, como chocolates, biscoitos e, sobretudo, vinhos do Porto, o artigo mais vendido na loja. Há garrafas para todos os preços, dos 8€ aos 3600€ de uma ilustre colheita de 1863 da Taylor`s.
Alguns fregueses vão lá desde criança (Mário Soares, por exemplo, gosta de recordar os tempos em que a avó o sentava naquele balcão) mas agora a maior parte dos clientes são turistas dos quatro cantos do mundo. Muitos compram lá a sua recordação de viajem, caso dos elétricos de Lisboa (em lata) recheados com rebuçados de fruta (4€) ou biscoitos com pepitas de chocolate (11,5€). Os outros não saem de lá sem, pelo menos, uma fotografia.
Casa dos Carimbos
Escondida por baixo de um vão de escadas na Rua da Augusta, a Casa dos Carimbos leva precisamente 100 anos de vida (foi fundada em 1914 por Carlos Neves) e outras tantas histórias para contar. Como por exemplo a do cliente que mandou fazer uma placa com a frase “Oh mulher porque não te calas!”.Talvez arrependido, demorou a ir buscá-la por isso a placa manteve-se durante vários meses na montra, fazendo sucesso entre quem passava na rua.
Um século depois da fundação, a loja já não vende selos brancos mas continua a ser procurada por quem precisa de carimbos, gravações em chapa ou placas, algumas afixadas algures em África ou nos Estados Unidos. Hoje Manuel Samora e Rosa Maria Samora (marido e mulher) gerem o negócio com a habitual simpatia das lojas de comércio tradicional. E esta com uma curiosidade especial, por muito que procure, dificilmente encontrará outra morada em Lisboa com tantos números à porta.
Nelson Jerónimo Rodrigues e Paula Oliveira Silva 2014- 12-17